Adocicado e agradável, semelhante a um perfume em meio ao cheiro característico da gasolina. O frentista Valdir* descreve assim um inimigo discreto, silencioso e mortífero: o benzeno, substância tóxica e cancerígena presente em combustíveis. Aos 39 anos de idade e há 16 trabalhando em postos, ele nunca havia se preocupado com a exposição diária ao composto. Foi quando uma pneumonia bilateral acendeu o alerta da contaminação.
A infecção aguda nos dois pulmões foi constatada em 2013 por exames de rotina feitos pela Secretaria de Saúde de Santa Maria. Causada pela bomba de gasolina que manuseava todo dia, exigia tratamento urgente.
— Era uma situação muito grave. A médica que me examinou falou que, provavelmente, era por causa da exposição prolongada ao benzeno. Com os exames, ficou provado que eu havia sido envenenado no meu ambiente de trabalho sem nem perceber — conta.
Valdir integra um estudo inédito que comprovou alterações no sistema imunológico de frentistas do interior do Rio Grande do Sul provocadas pelo benzeno da gasolina que abastece os veículos. Ao participar da pesquisa, realizada pelo Laboratório de Toxicologia (Latox) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em parceria com o Departamento de Química do Centro Técnico Científico da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), descobriu que poderia desenvolver câncer.
O trabalho foi iniciado há cerca de dois anos, sendo a maioria das amostras de sangue e urina coletada em Santa Maria e Santa Cruz Sul. Quase 70 frentistas fumantes e não fumantes foram submetidos aos exames, além de 28 trabalhadores que não são frentistas e não fumam, formando um grupo de controle.
No estudo, foi comprovado que a substância pode provocar anemia e favorece o desenvolvimento de leucemia. Os pesquisadores identificaram danos às proteínas, aos lipídios e ao DNA de trabalhadores de postos de gasolina no Estado. Ao afetar diretamente a imunidade do corpo humano, a intoxicação provoca sintomas leves, que escondem problemas mais sérios. Por isso, Valdir descobriu quase por acaso.
— Alguns anos depois que comecei a trabalhar como frentista, notei que minha imunidade caiu muito. Era gripe toda hora, dores musculares, dor de cabeça frequente, tonturas. Tive problemas renais, de audição. Hoje sei que é pelo benzeno, que me acompanhou durante boa parte da vida. Poderia ter morrido — diz.
A substância cancerígena dá sinais quase imperceptíveis até mesmo para quem recém ingressou na profissão. Maristela*, de 28 anos, não chegou a participar da pesquisa pois trabalha há apenas seis meses como frentista. No entanto, diz que já sente alguns efeitos da exposição. Abastece veículos sem luvas, sem máscara, apenas com um óculos para proteger os olhos de eventuais respingos.
— Tenho muita dor de cabeça. E percebo que é bem mais frequente agora. Ânsia de vômito, tonturas. Sinto quando vou abastecer um carro. Parece que desce queimando pela garganta, sabe? Os motoristas pedem para encher "até as guela" e a gente vê direitinho o vapor saindo do tanque — relata.
Abastecer até a boca do tanque aumenta riscos
Encher o tanque até o máximo possível é perigoso, pois aumenta ainda mais a exposição ao benzeno. De acordo com a cientista Adriana Gioda, da PUC-RJ, uma das autoras do estudo, pesquisas já comprovaram os malefícios da prática.
— O nosso estudo não foi direcionado para isso, mas existem outras pesquisas e comprovação científica de que a exposição a benzeno é de três a quatro vezes maior quando o motorista pede para abastecer além do travamento automático da bomba. Isso é uma coisa super importante para conscientização dos motoristas — afirma Adriana.
O deputado estadual Carlos Minc (PT-RJ), ex-ministro do Meio Ambiente, também destaca o mesmo problema, que foi constatado em uma medição feita em um posto de gasolina no Rio de Janeiro, estado onde, desde o início do ano, os frentistas estão proibidos por lei de abastecer qualquer veículo além do travamento automático da bomba.
Quem descumprir a norma está sujeito a uma multa de cerca de R$ 13,5 mil. Em caso de reincidência, o valor dobra. Segundo o Sindicato dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo do Rio de Janeiro (Sinpospetro-RJ), até o momento nenhum posto de gasolina foi responsabilizado, por se tratar de uma legislação recente e com fiscalização precária.
— Sabemos, há muito tempo, dos graves problemas à saúde. Os motoristas já deveriam entender que estão intoxicando milhares de pessoas com esta atitude — sustenta Minc que, no ano passado, lançou a campanha nacional #PareNoAutomático.
No Rio Grande do Sul, não há qualquer campanha pública direcionada para o problema — nos postos gaúchos, é praxe ultrapassar o travamento. Existem algumas tratativas, conforme informaram representantes da Secretaria Estadual da Saúde, mas um plano só deverá ser lançado no fim do ano.
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O auditor-fiscal do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Rio Grande do Sul (SRTE-RS) Luiz Alfredo Scienza, que atua no setor de segurança e saúde do trabalhador, destaca duas medidas de prevenção que deveriam ser adotadas diariamente nos postos de gasolina. A primeira é que os frentistas deixem de usar, no abastecimento, o habitual "paninho", que fica impregnado de compostos perigosos. A outra precisa da colaboração dos motoristas: parar o abastecimento quando a bomba tranca.
— Se você não pede um "chorinho", não deixa ultrapassar o sensor automático, já ajuda a reduzir a proximidade do rosto do trabalhador da área de maior concentração de vapores de benzeno — ressalta.
Fonte: Agência RBS