Nov 24, 2024

Por que os patrões querem o golpe?

Como num cassino macabro, os grandes grupos financeiros estão especulando e apostando abertamente no fim da democracia brasileira. Como se noticiou no UOL, no jargão do mercado, a partir das manifestações pró-impeachment do dia 13 de março e da avaliação de um iminente desmoronamento da coalizão governista no Congresso Nacional, o “cenário-base” que prevê  a derrubada do governo Dilma estaria na ordem de possibilidade de 65 % a 75 % entre os analistas de grandes instituições de consultoria financeira. O dólar flutua para baixo e as bolsas para cima, ao sabor das especulações.

Provavelmente, os analistas internacionais e nacionais de mercado diminuíram estes percentuais nos últimos dias diante da escala grandiosa das manifestações do dia 18 de março em favor da legalidade democrática, das turbulências e ilegalidades flagrantes que ameaçam a legitimidade da Operação Lava-Jato e de uma renovada iniciativa do governo Dilma na organização da resistência parlamentar (ver posições críticas ao golpe do presidente do Senado, o racha iminente do PMDB, a disputa voto a voto na comissão parlamentar que fará a primeira votação sobre a aceitação ou não do pedido de impeachment).

O fato é que, após o editorial do New York Times do dia 18 de abril, o The Economist dá uma capa em favor do afastamento da presidente eleita do Brasil.  Não há mais dúvida que o capital financeiro internacional, com sua força geo-política, está apoiando e organizando o golpe na democracia brasileira. 

Não é preciso se valer aí de nenhuma hipótese especulativa de conspiração.  Nestes tempos de espetacularização da política, os golpistas não apenas deixam pistas, mas  produzem símbolos midiáticos em série. Armínio Fraga – o ex-ministro da Fazenda de Aécio Neves – apareceu em Brasília como o terceiro personagem de um almoço que reunia Serra e Gilmar Mendes.

Em um artigo publicado nesta mesma Agência Carta Maior, em dezembro de 2014, “Um escândalo chamado Armínio Fraga”, documentávamos a presença deste homem de Wall Street e do grande banco norte-americano  JP Morgan  como orgânico a toda estratégia do PSDB nas eleições. O PSDB havia migrado definitivamente da condição de um partido da Avenida Paulista para Wall Street, organizando um novo programa radical neoliberal de guerra aos direitos sociais e de privatização do setor público brasileiro. Em março de 2014, Emy Shayo, analista do JP Morgan, havia coordenado uma mesa entre publicitários conservadores  brasileiros com o tema “Como desestabilizar o governo Dilma?”. No momento decisivo do final do primeiro turno das eleições de 2014, foi novamente o JP Morgan quem organizou um seminário de grandes banqueiros de Wall Street para ouvir Fernando Henrique Cardoso e sua diretiva de apostar as fichas em Aécio Neves e não em Marina Silva para a disputa do segundo turno.

Foi apenas em 1981, dezessete anos após o golpe militar,  com o trabalho de René Armand Dreifuss, no livro “1964: A conquista do Estado ( Ação política, poder e golpe de classe)”,  apoiado em ampla documentação resultante de pesquisa em arquivos norte-americanos, que o caráter classista do golpe de 1964 foi ao centro das análise. Ele documentou as relações entre o IPES/IBAD e os lobbies de financiamento americano para a eleição de  deputados golpistas desde 1962 até a campanha de desestabilização final  do presidente  Jango Goulart. Certamente, as ilusões pecebistas sobre a existência de uma burguesia nacional progressista dificultaram e retardaram este entendimento.

Hoje, para derrotar o golpe é preciso denunciar centralmente o seu caráter patronal. A Fiesp, a Firjan, as Federações do Comércio de São Paulo, a Associação Brasileira da Indústria Eletrônica e Eletrodomésticos ( Abinee), entidades empresariais do Paraná, Espírito Santo, Pará e muitas redes empresariais estão já em campanha aberta pelo fim da democracia no Brasil.

Por que o capital financeiro e, cada vez mais, os grandes empresários brasileiros estão movendo e se movendo em direção ao golpe?

Três razões

A primeira razão está bem enunciada no documento do Dieese sobre o balanço das greves em 2013, uma dinâmica que prosseguiu em grandes linhas até o final de 2014. Enquanto todos os olhos estavam voltados para as espetaculares manifestações de ruas de junho de 2013,  estava se registrando o maior ciclo grevista  de luta dos trabalhadores por seus direitos desde que a série histórica se iniciou em 1978. Se em 2012 havia ocorrido em todo o país 877 greves, em 2013 esta dinâmica saltou para 2050 greves!. O número de horas paradas que havia sido de 86.921 em 2012, saltou para 11.342 horas paradas em 2013, envolvendo dois milhões de grevistas. Pelo acompanhamento do Dieese, 80 % dos movimentos grevistas obtiveram êxito! A  forte ampliação do número de grevistas, de greves e horas paradas, na avaliação do documento do Dieese, correspondia a um desbordamento do centro para a periferia, das categorias tradicionalmente mais organizadas para aquelas com menor tradição grevista, em um quadro de menor desemprego e maior formalização do mercado de trabalho.

O  golpe na democracia brasileira, viria, então, quebrar de vez este movimento ascensional de lutas classistas e de conquistas de direitos. A “eleição” de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, sob pressão do mercado financeiro, revelou-se um instrumento instável, insuficiente e inseguro. Seria preciso, por o governo do Brasil, com sua força, seu poder repressivo e seu poder de agenda em choque frontal  com o movimento classista democrático dos trabalhadores.

A segunda razão está didaticamente exposta em um documento do Diap, assinado por Antônio Carlos Queiroz. Ele elencou cinqüenta projetos de lei anti-trabalhadores e anti-populares, racistas e machistas, em andamento no Congresso Nacional que, em seu conjunto, desorganizam todo o sistema de direitos democráticos previstos na Constituição de 1988 e acumulados pelas lutas dos movimentos sociais desde então.

Entre eles, na Câmara Federal, a terceirização total das relações de trabalho, a prevalência do negociado sobre o legislado e o impedimento do empregado demitido reclamar na Justiça do Trabalho seus direitos. Até a legislação que coíbe o trabalho escravo seria adulterada! No Senado, a regulamentação e retirada do direito de greve dos servidores públicos, a privatização das empresas públicas, a independência do Banco Central. Estão previstas, a desvinculação dos recursos orçamentários de porcentuais obrigatórios para a saúde e a educação pública, a desindexação do reajuste anual do salário-mínimo em relação à inflação e ao crescimento do PIB,  a desindexação do piso dos benefícios previstos previdenciários e assistenciais do valor do salário-mínimo. Seria iniciado, então, um novo ciclo de arrocho salarial e de destruição das políticas públicas no Brasil.

A terceira razão é de ordem geo-política e econômica e diz respeito à política externa soberana do Brasil, à política para os Brics, à posição da Petrobrás no mercado mundial de petróleo, ao peso do Brasil no recente ciclo progressista e distributivo das democracias na América Latina. O golpe viria criar uma nova época de domínio norte-americano na América Latina, impondo um novo cerco à revolução cubana em crise. Ao mesmo tempo, trilhões de dólares do patrimônio do Estado brasileiro seriam colocados à disposição da rapina do capital financeiro internacional.

Como alerta Antônio Carlos Queiroz, seria necessário  após o golpe criminalizar o movimento sindical brasileiro em larga escala, mais além dos movimentos sociais. Não se aplica um programa tão radicalmente anti-popular sem doses maciças de violência.

A assembléia dos quatro mil operários da Ford contra o golpe , em São Bernardo do Campo , e a bela e decisiva  reunião de Lula com lideranças sindicais, de todo o país,  de sete centrais brasileiras, neste dia 23 de março vem estabelecer  um novo marco na luta classista democrática contra o golpe dos patrões.

Carta Maior

O combate à palavra golpe

Os defensores do impeachment estão incomodados com a ressonância  adquirida pela palavra golpe. Esta preocupação pautou os jornais e a mídia política em geral neste domingo de Páscoa, através de condenações variadas, e por diferentes atores, à percepção de que se trata de um golpe parlamentar-judicial-midiático para derrubar a presidente Dilma Rousseff e empossar seu vice Michel Temer.  Está em curso a guerra da narrativa antes  do fato, no pressuposto de que a História é sempre escrita pelos vencedores. Quando George Orwell disse isso, entretanto,  era mais simples controlar  a verdade.  Não havia, por exemplo, a Internet.

Estão preocupados porque, mesmo que sejam vencedores, não escaparão do registro da História. Depois do golpe de 1964, estes mesmos jornais escreveram editoriais louvando a derrubada do presidente constitucional João Goular como se tivesse sido uma vitória da democracia contra o risco de uma ditadura comunista. “Ressurge a democracia”, bradou O Globo. “Mais uma vez as Forças Armadas deram provas de sua intransigência democrática”, disse o editorial da Folha. Muitos anos e atrocidades depois, fizeram uma autocrítica envergonhada.

Estão preocupados, os atores do impeachment, com as repercussões internacionais do que se passa no Brasil e por isso condenaram com veemência a entrevista da presidente aos correspondentes estrangeiros. A OEA e a Unasul já  se pronunciaram contra e não será pelo tamanho e peso do Brasil que o Mercosul deixará de invocar a cláusula democrática para suspender o pais, tal como foi feito em relação ao Paraguai. Lá também o impeachment sofrido por Lugo estava previsto na Constituição mas foi aplicado com inobservância das regras. Por isso foi um golpe paraguaio.

Na batalha contra a palavra golpe, neste domingo, a Folha de São Paulo protestou em editorial. Endossou as declarações do ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto e dos atuais ministros  Carmem Lucia e Dias Toffoli, lembrando que o impeachment é um instrumento previsto na Constituição. “A frenética tática defensiva do governo está aí – e por isso convém reduzir ao mínimo os pretextos que possam ser utilizados pela militância na guerra retórica”, disse a Folha.

Previsto o impeachment é, tanto que já foi até aplicado. Mas como disse também na Folha o insuspeito de esquerdismo-petismo Delfim Netto:  ”(o impeachment) está no Congresso, está na Constituição. Quando acontece uma violação de função. ...Vai ter que provar no Congresso se realmente houve a violação de função.” Os dois ministros, bem como o ex-ministro do STF, sabem disso mais que todo mundo. Não se está questionando a constitucionalidade da figura do impeachment mas a forma de sua aplicação.

Eis que também o decano do STF, ministro Celso de Mello, aparece num vídeo, que teria sido feito num shopping de São Paulo na quarta-feira, dia 24, e foi postado por uma ativista dizendo: "A figura do impeachment não pode ser reduzida à condição de mero golpe de estado porque o impeachment é um instrumento previsto na Constituição Brasileira e estabelece regras básicas". E lá do vale do esquecimento ressurge em Paris o ex-ministro Eros Grau citando numa carta aberta os dois artigos da Constituição que prevêm o impeachment para condenar os que o condenam pela forma como está sendo conduzido: na ausência de um crime de responsabilidade indiscutível. Grau diz-se ainda surpreso com as manifestações contra o impeachment ocorridas na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde estudou. Haverá outra.

No Estadão, o destaque é para o presidente da OAB, Claudio Lamachia, que amanhã, segunda-feira, vai entregar à Câmara um novo pedido de impeachment contra Dilma, agora valendo-se da conversa entre ela e Lula, ilegalmente divulgada. Evitará um encontro com Eduardo Cunha, deixando o pacote no protocolo geral da Casa. Sorrateiro, finge tomar as dores do STF.  “Essa afirmação do governo, com tanta frequência, de que há um golpe em curso me parece ofensiva ao próprio Supremo Tribunal Federal. Se dizem que é golpe, então o Supremo, há poucos dias, regulamentou o golpe. Ou seja, tanto não é golpe que a instância máxima da Justiça, numa sessão histórica, regulamentou o procedimento de impeachment. Isso acaba com a ladainha de golpe.”

O STF não regulamentou golpe nenhum. Provocado pelo PC do B, depois que Eduardo Cunha baixou um rito diferente do que foi adotado por Ibsen Pinheiro em 1992 contra Collor, esclareceu como deve ser o ritual de um processo de impeachment em qualquer tempo, contra qualquer presidente. Era seu papel. E novamente provocado, pelo recurso de Cunha, manteve o seu entendimento quanto ao rito.  Como Dilma já disse que fará uso de todos os recursos legais para resistir ao golpe, é possível que em algum momento peça ao STF que diga se houve ou não crime de responsabilidade. Aí, sim, os ministros vão ter que separar o alho do bugalho.

Em O Globo, Merval Pereira chama de “narrativa ridícula” as crescentes condenações ao impeachment que será golpe se consumado nas atuais circunstâncis: sem a devida prova de transgressões que configurem o crime de responsabilidade.

Esta é uma batalha que parece menor mas é importante no curso do jogo. Agora ele está sendo decidido apenas entre as cúpulas partidárias. As manifestações de apoio estão dispensadas. Conturbam. Vai que resolvem cobrar a apuração da lista da Odebrecht...

Fonte: Brasil 247

“Agenda do impeachment prevê ataque massivo a direitos trabalhistas”, denuncia Graça Costa

A verdadeira agenda dos articuladores da tentativa de impeachment da presidenta Dilma Rousseff e da tentativa de prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está tramitando silenciosamente no Congresso Nacional, sem debate com a sociedade, e tem direitos trabalhistas e sociais como seu principal alvo. Entre eles, destacam-se os projetos que ampliam massivamente as terceirizações, que mudam o modelo de partilha do pré-sal, abrindo-o para grandes companhias petrolíferas estrangeiras e suprimem direitos dos trabalhadores conquistados há décadas e previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O alerta é de Graça Costa, secretária nacional de Relações de Trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT), que esteve em Porto Alegre debatendo essas ameaças com sindicalistas gaúchos.

“Hoje, nós temos um mapa de 55 projetos que, para nós, são os mais prejudiciais à classe trabalhadora. Destes, nós destacamos 11, que são os mais fortes. O PL da terceirização encabeça essa lista. Ele é o objeto de paixão do empresariado brasileiro”, diz Graça Costa que, em entrevista ao Sul21, fala sobre aquele que é, na sua avaliação, o verdadeiro objetivo dos defensores do impeachment: “os mesmos que estão contra nós, nas pautas trabalhistas e de direitos humanos, estão na linha de frente da tentativa de golpe. Para nós isso está muito claro. Só vamos conseguir ampliar nossos direitos se vivermos em um ambiente democrático”, denuncia.

Confira a entrevista concedida ao Sul21.

Sul21: Qual a avaliação da CUT sobre esse conjunto de projetos que tramitam atualmente no Congresso Nacional flexibilizando ou simplesmente retirando direitos dos trabalhadores?

Graça Costa: A Secretaria de Relações de Trabalho da CUT vem acompanhando a tramitação desses projetos na Câmara dos Deputados e no Senado. Estamos trabalhando para unificar as informações sobre esses projetos. No ano passado lançamos uma agenda legislativa que traz os principais projetos, tanto os que são ruins para os trabalhadores quanto os que são bons. Também estamos trabalhando fortemente dentro do Congresso conversando com os parlamentares. Essa agenda, em geral, é muito negativa para a classe trabalhadora.

“A terceirização é, hoje, o principal instrumento do capitalismo no mundo. É a forma que encontraram para se safar das crises do capital”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

De 2014 para cá, as coisas pioraram muito pra nós. A composição do parlamento brasileiro é muito atrasada. O DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), que presta assessoria para nós, estima que a atual composição do Congresso só perde para a de 64. Nós vencemos, na reeleição de um projeto popular, mas não ganhamos o parlamento, o que está dificultando muito a nossa vida. No caso do PL da terceirização (4330), por exemplo, que tramitava há dez anos no Congresso, em 2015, em apenas três meses, estava aprovado na Câmara, graças aos encaminhamentos feitos pelo deputado Eduardo Cunha. Em abril de 2015, nós já perdemos uma batalha importante.

Sul21: Quais são os projetos que mais preocupam a CUT e o movimento sindical como um todo?

Graça Costa: Hoje, nós temos um mapa de 55 projetos que, para nós, são os mais prejudiciais à classe trabalhadora. Destes, nós destacamos 11, que são os mais fortes. O PL da terceirização encabeça essa lista. Ele é o objeto de paixão do empresariado brasileiro. A terceirização é, hoje, o principal instrumento do capitalismo no mundo. É a forma que encontraram para se safar das crises do capital. Junto com ele, nós temos outros projetos muito fortes, como o 131, do senador José Serra (PSDB), que trata da partilha do pré-sal. Entendemos que esse é o tema que está por trás de toda essa questão do impeachment. Há uma disputa internacional pelas reservas do pré-sal brasileiro. Esse projeto já foi aprovado no Senado e enviado para a Câmara. Já há uma comissão especial criada para garantir uma rápida tramitação do mesmo.

Temos ainda um projeto que quer diminuir a idade de ingresso no mercado de trabalho. Hoje, os estagiários entram no mercado de trabalho com 16 anos. Eles querem reduzir para 14. Esse projeto também já foi aprovado em uma comissão da Câmara e está andando. Temos também o projeto de redução da maioridade penal, que não é um projeto da área trabalhista, mas tem consequências muito pesadas para a sociedade brasileira. Acreditamos que o Estatuto da Criança e do Adolescente precisa de algumas melhorias, mas ele já é uma legislação que garante punição e, principalmente, ações preventivas e educativas.

Está tramitando também um projeto que já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que trata de aumentar a jornada de horas extras dos trabalhadores rurais. Hoje, esses trabalhadores têm uma jornada de oito horas de trabalho, sendo permitidas duas horas extras. Ou seja, já há trabalhadores rurais com uma jornada de dez horas por dia. O projeto em questão acrescenta mais duas horas para a possibilidade de horas extras, ou seja, o trabalhador poderá ter uma jornada de doze horas por dia. Some-se isso tudo com a terceirização, que tem uma precarização muito alta, com o ingresso no mercado de trabalho aos 14 anos e com o PL 432, que reduz a amplitude do conceito de trabalho escravo, retirando a jornada exaustiva e o trabalho degradante deste conceito, a conclusão é que estamos caminhando para o trabalho escravo, para a escravidão novamente em nosso país.

“No dia 21 de março nós comemoramos 84 anos da carteira de trabalho. A nossa avaliação é que estamos correndo o risco de perder o que conquistamos neste período”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

A linha da maioria dos atuais parlamentares é desregulamentar todos os nossos direitos, tudo o que conquistamos nas últimas décadas. No dia 21 de março nós comemoramos 84 anos da carteira de trabalho. A nossa avaliação é que estamos correndo o risco de perder o que conquistamos neste período. O que a esquerda e os trabalhadores de modo geral recusaram da CLT, hoje nós estamos defendendo com unhas e dentes para não perder.

Outro projeto preocupante é o 5069, do deputado Eduardo Cunha, que trata da derrubada da lei, de 1941, que dá direito às mulheres de fazer aborto quando forem vítimas de estupro. Além de querer derrubar essa lei, o projeto também traz um viés de punição para os trabalhadores da saúde. Caso essa lei seja aprovada como está, se uma mulher fizer um aborto em um estabelecimento de saúde público, os enfermeiros e médicos envolvidos no atendimento a essa mulher sofrerão um processo administrativo e um processo criminal. Chegamos ao absurdo de correr o risco de perder avanços conquistados em 1941. É uma ameaça atrás da outra.

Sul21: E muitos desses projetos estão andando rapidamente por meio da tramitação nas chamadas comissões especiais. Como estão funcionando essas comissões?

Graça Costa: Quando o Renan Calheiros (PMDB) lançou a tal Agenda Brasil, ele criou as comissões especiais para tratar dos temas que a integram. Essas comissões têm uma tramitação muito rápida e apresentam um relatório que vai diretamente para o plenário. O 131, por exemplo, que trata da mudança do modelo de partilha do pré-sal, assim que saiu do Senado já foi criada uma comissão especial na Câmara para analisá-lo. O 4330, das terceirizações, também está em uma comissão especial. Nós só não fomos derrotados ainda neste projeto porque o relator é o senador Paulo Paim (PT), que conseguiu aprovar a realização de uma série de audiências públicas em todos os estados para debater o tema. Ao todo, foram realizadas 27 audiências públicas nas assembleias legislativas, promovidas pela Comissão de Direitos Humanos do Senado. Estamos travando uma luta muito dura contra o patronato brasileiro que tem uma representação massiva, principalmente na Câmara dos Deputados.

Também gostaria de destacar o PL 555, que trata das estatais. Esse projeto começou com uma iniciativa para fazer um estatuto para as estatais brasileiras e acabou evoluindo para uma proposta de texto que, se for aprovado como está, abre o caminho para que todas as empresas estatais sejam transformadas em sociedades anônimas. É um salto para a questão das privatizações. Entram aí, entre outras empresas, o Banco do Brasil, Petrobrás, Correios, Caixa Econômica. O pior é que ele não se aplica apenas às instituições federais, valendo também para as estaduais e municipais. Então, isso exige no mínimo um grande debate com a sociedade. Mas o projeto já foi aprovado em uma comissão especial do Senado e remetido para a Câmara dos Deputados. Esse processo foi acelerado sem qualquer debate com os governadores, com os prefeitos nem com os trabalhadores das estatais estaduais e municipais.

Uma das coisas mais perniciosas deste projeto é que ele prevê que, na composição do conselho de administração das empresas, que hoje tem representação dos trabalhadores, não poderão participar pessoas que foram sindicalistas nos últimos três anos ou que tiveram filiação partidária nos últimos três anos. Ou seja, não vai ter mais representação dos trabalhadores. Hoje, a representação é sindical. Nós fazemos debates e campanhas nacionais para escolher nossos representantes nos conselhos das empresas, exatamente para fazer a defesa da nossa pauta. A essência dessa representação é justamente esta.

Sul21: E como está, na tua avaliação, a correlação de forças dentro do Congresso Nacional hoje em torno dessa agenda? Aparentemente, os defensores dessa agenda, que também estão na linha de frente da iniciativa do impeachment contra a presidenta Dilma, tem uma maioria que está se consolidando? Qual deve ser a estratégia da CUT e do movimento sindical em geral para enfrentar esse quadro?

 

“Estamos sendo impedidos de ingressar na casa legislativa com tranquilidade como fazíamos na legislatura passada”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

 

 Graça Costa: Sim. Eles têm maioria. Na verdade, a classe trabalhadora nunca teve maioria ou hegemonia no Congresso Nacional, mas nós tínhamos um ambiente diferente do que temos nesta legislatura. Nós tínhamos um ambiente onde havia debate e onde tínhamos espaço para circular livremente pelo Congresso para defender nossas propostas junto aos parlamentares. Tínhamos liberdade para entrar na Câmara, visitar os gabinetes, para usar camiseta, botton, defender nossas propostas, o que é próprio do dia a dia de uma casa legislativa. Agora estamos vivendo um momento difícil. Além de não termos maioria, a maioria está do lado do patrão, temos uma repressão muito forte. Estamos sendo impedidos de ingressar na casa legislativa com tranquilidade como fazíamos na legislatura passada.

 

O que estamos procurando fazer, em primeiro lugar, é fechar questão dentro das bancadas do PT, do PCdoB e do PSOL. Temos apoio também de uma parte da bancada do PDT, de uma parte da bancada do PSB. Em alguns casos, a posição em relação à pauta trabalhista é diferente da posição em relação ao impeachment. Há diferenças aí dentro dos partidos. Há algumas pautas que conseguimos unificar e ampliar a base de apoio, mas está muito complicado para a gente conseguir aprovar alguma coisa. Mesmo com toda a dureza da atual conjuntura, estamos procurando também ampliar à mobilização junto às nossas bases. Mas o ambiente está muito hostil. Nós, da CUT, por exemplo, fomos proibidos de entrar na Câmara. Tivemos que obter habeas corpus no Supremo para poder entrar na Câmara.

 

Sul21: Como é que essa proibição está acontecendo. Vocês são barrados na porta da entrada? Qual a alegação oficial para essa proibição.

 

Graça Costa: Eu estou sendo barrada todas as vezes que chego à porta da Câmara ou do Senado. Eles já me conhecem e simplesmente dizem que a ordem é não liberar a entrada. Eu tenho usado muito o senador Paulo Paim para conseguir entrar. Já aconteceu dezenas de vezes. O Paim vai até a portaria para liberar a minha entrada. Há pouco tempo, eu fui a uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado onde participaria da mesa de debates, representando a CUT, a convite do senador Paim.

 

Eu cheguei à portaria do Senado e fui barrada. Eu estava com uma mala, pois tinha saído direto do aeroporto. Eles me fizeram abrir a mala, olharam tudo e eu tinha um lenço da CUT dentro da mala, embaixo das roupas, que eu uso quando participo de alguma atividade representando a entidade. Pois eles ficaram com o meu lenço. Eu denunciei o caso e ficou uma situação meio constrangedora. Na semana seguinte, estive no Senado novamente. Eu estava com a camiseta da CUT. Passei pelo aparelho do raio-x e eles mandaram eu abrir a minha bolsa, onde havia uma agenda da CUT, que é a minha agenda do dia-a-dia. Eles queriam ficar com a minha agenda, uma coisa totalmente absurda. É desta forma que estamos sendo tratados no parlamento. É um ambiente muito ruim para a classe trabalhadora.

 

Sul21: Quais os próximos passos da CUT neste cenário?

 

Graça Costa: Na última reunião da direção nacional da CUT, nós decidimos juntar as energias com outras centrais sindicais e com parlamentares comprometidos conosco e tentar construir uma frente parlamentar em defesa da classe trabalhadora para enfrentar essa agenda negativa e tentar abrir espaço para uma pauta positiva. Elencando o que nós temos hoje, só há pautas-bomba, estamos correndo atrás do prejuízo toda hora.

 

Entendemos que a coisa mais forte nesta disputa é a mobilização e a pressão nos estados. Eu sou do Ceará. Se eu vou visitar um deputado ou um senador do Rio Grande do Sul, não tenho peso algum. A minha pressão, mesmo sendo representante de uma entidade forte como a CUT, não tem peso eleitoral. É diferente quando as pessoas do Rio Grande do Sul visitam parlamentares gaúchos. Aí o peso é diferente. Isso aconteceu no caso da votação do 4330.

 

Nós perdemos a primeira votação. O Eduardo Cunha conseguiu mais de 300 votos. Na semana seguinte, depois de uma forte movimentação nos estados, esperando os parlamentares no aeroporto, fazendo out-door e divulgando pelas redes sociais as fotos dos parlamentares que eram contra a classe trabalhadora, conseguimos reverter quase 200 votos, em uma semana. No final, perdemos a votação por sete votos apenas. Essa campanha, para nós, foi muito emblemática.

Se o golpe acontecer, essa agenda que eu citei terá porteira aberta e nós estamos ameaçados seriamente de perder todos os nossos direitos”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Vamos usar essa mesma estratégia agora no caso da tentativa de impeachment da presidenta Dilma. Conseguimos detectar, por exemplo, que, dos 65 deputados que estão na comissão que vai analisar o pedido de impeachment, 37 são indiciados. Para não falar do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que está indiciado na Lava Jato. Nos próximos 15 dias, faremos um trabalho de massa neste sentido. O impeachment e a tentativa de golpe estão diretamente relacionados com essa pauta que não é contra a presidenta Dilma e contra o Lula somente, mas contra toda a classe trabalhadora e suas organizações. O que está em curso não é um golpe isolado. Se ele acontecer, essa agenda que eu citei terá porteira aberta e nós estamos ameaçados seriamente de perder todos os nossos direitos.

Precisamos defender a democracia agora. Temos críticas e divergências fortes em relação a determinadas políticas do governo, em especial na área econômica, mas se não conseguirmos garantir a democracia, também não conseguiremos garantir nossos direitos. Os mesmos que estão contra nós, nas pautas trabalhistas e de direitos humanos, estão na linha de frente da tentativa de golpe. Para nós isso está muito claro. Só vamos conseguir ampliar nossos direitos se vivermos em um ambiente democrático.

Isso não é uma fala panfletária. É só ler o que está escrito no documento “Uma ponte para o futuro”, do PMDB, é só ler o que está na chamada “Agenda Brasil”, também gestada pelo PMDB. Nestes dois documentos aparece o princípio do “negociado sobre o legislado”. Eles defendem a flexibilização radical da lei trabalhista. Se passar isso, o que o trabalhador negociar diretamente com o patrão é mais forte do que o prevê a Constituição Federal e a CLT. Vamos considerar um exemplo. O patrão chega para o trabalhador e diz: ‘vou garantir o seu emprego, mas vou tirar o seu décimo terceiro e diminuir o seu salário em 50%’. As pessoas têm tanto medo de perder o emprego que vão se submeter a uma negociação destas e a lei fica sem valor. Essa é a agenda que os defensores do impeachment querem implantar no Brasil. A classe trabalhadora está sendo acuada e só ela pode ajudar a virar o jogo e a superar a crise que estamos vivendo.

Fonte: Marco Weissheimer – Sul21

 

 

 

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