7 passos para matar uma estatal
Em 1990, Herbert de Souza, o Betinho, escreveu um artigo intitulado Como matar uma estatal , antecipando a grande onda de privatizações levada a cabo pelos governos Collor e FHC. A trajetória recente da Eletrobras indica que o atual governo federal retomou a tentativa de aplicar a receita fatal, pondo em risco esse ativo de importância estratégica para a soberania brasileira.
Betinho aponta sete medidas que, isoladas ou em conjunto, colocam a estatal rumo ao esfacelamento. Vejamos as medidas e sua aplicabilidade ao caso da Eletrobras:
1.Produzir com eficiência e vender abaixo do custo
Com a MP 579/12, o governo antecipou a renovação das concessões de hidrelétricas e de linhas de transmissão impondo tarifas muito reduzidas à Eletrobras. As tarifas impostas são aproximadamente 90% menores do que as vigentes antes da MP.
Em 2014, por exemplo, a Eletrobras vendeu uma grande quantidade de energia oriunda das usinas renovadas por R$ 28/MWh, enquanto o MWh de energia era negociado a R$822 no mercado livre. Mesmo não sendo a medida suficiente para garantir a prometida redução nas tarifas elétricas, ela foi extremamente eficiente no que se refere ao sucateamento da Eletrobras.
2.O endividamento
Como bem disse Betinho, uma “boa” estatal brasileira serve para transferir recursos ao Tesouro em momentos de crise e para contrair dívidas. E, como consequência, ‘a pressão da dívida imobiliza a capacidade de investimento da estatal, e essa é uma boa fragilidade a ser utilizada quando necessário’.
De 2012 a 2015 a Eletrobras pagou mais de R$9 bi de juros sobre capital próprio (1), mesmo tendo acumulado nesse mesmo período um prejuízo de R$20 bi! Parte desse recurso se destinou à União e foi utilizado para o atingimento das metas fiscais.
Quanto ao endividamento, entre 2013 e 2014 a dívida líquida consolidada da Eletrobras saltou de R$2 bi para R$15 bi (2). O governo segue, assim, as características fundamentais da receita fatal, um endividamento voltado para o atendimento das metas fiscais e a crescente submissão aos credores privados.
3.Não investir em pesquisa e desenvolvimento
Betinho fala em ‘conter os investimentos’ com o ‘objetivo de colocar as estatais na fronteira da vulnerabilidade’. A Eletrobras recebeu o tiro de misericórdia com a MP 579, que reduziu brutalmente sua capacidade de investimento. Hoje a empresa encara dificuldades não só para cumprir seu plano de investimentos, mas também para honrar seus compromissos, tamanha a dificuldade de caixa.
A redução dos investimentos estatais, além de afetar a eficiência e a qualidade dos serviços prestados, também abre espaço para o crescimento do setor privado e, assim, o fornecimento e a distribuição de energia elétrica perdem aos poucos seu caráter de serviço público.
Avisava Betinho que ‘Uma estatal muito eficiente é um mau exemplo no mundo dos negócios como argumento pró-estatização. Uma estatal ineficiente é um argumento imbatível sempre que for necessário restabelecer o primado neoliberal da livre iniciativa e das leis do mercado.’
4.Colocar afilhados na direção das estatais
O caminho para destruir a estatal fica mais curto quando se coloca na condução das estatais ‘dirigentes que respondam pelos interesses de turno à frente da Presidência da República’. Não é de hoje que a Eletrobras sofre com esse mal. A Eletrobras, que foi durante muitos anos “área de influência” de ACM, já há algum tempo é considerada “área do Sarney”, mas também tem diretores ligados a Kassab e Temer, e Eduardo Cunha e Antonio Palocci ainda possuem influência nas controladas da Eletrobras.
‘Esse empreguismo político tem como objetivo não somente dirigir as estatais segundo os princípios da política econômica de turno, como pretende também desestabilizar sua base ética de sustentação. Ao se privatizar a direção de uma estatal, ela perde o seu carisma público’. O quadro se agrava quando se aponta para o envolvimento de diretores da empresa em esquemas de corrupção, como nas operações Faktor, Castelo de Areia e, mais recentemente, na operação Lava Jato.
5.Provocar os sindicatos
‘É importante também provocar os sindicatos e levá-los a situações de impasse. O desgaste progressivo dos sindicatos é uma boa preparação para a privatização’. A relação entre o governo federal e a CUT há muito coloca a central sindical em situação delicada. O apoio da central que representa os eletricitários ao governo entra em choque com os recentes avanços do governo contra os direitos dos trabalhadores e suas medidas privatizantes, levando os sindicatos a assumir posições contraditórias. ‘Nada melhor para privatização do que um sindicato desmoralizado e enfraquecido’.
6.Desenvolver os impasses até o absurdo
‘É necessário levar os impasses entre as empresas estatais e o desenvolvimento do país ao extremo, para que o absurdo pareça ser a solução e a solução que convém a uns poucos acabe nascendo, como resultado natural do absurdo’.
Destacam-se aqui duas grandes frentes de impasse. Na primeira estão os grandes projetos com a participação da Eletrobras, como Belo Monte. Esses projetos vão afetar Terras Indígenas e populações tradicionais, além de representarem uma grande ameaça à biodiversidade. Condenáveis do ponto de vista dos direitos humanos e da defesa do meio ambiente, servem também como fonte de descrédito da empresa frente a movimentos sociais organizados e a sociedade.
Outra fonte de impasse é o atual modelo do setor elétrico e sua consequência mais explícita, os altos preços da energia elétrica. A atuação da Eletrobras ainda é marcada pela eficiência operacional e pela sua contribuição para a redução dos preços de energia, seja vendendo energia barata, seja entrando em leilões pressionando os preços para baixo.
Os altos preços de energia são resultado do modelo mercantil adotado, e não da atuação específica da empresa. Mesmo assim, o senso comum, “ajudado” pelos meios de comunicação, costuma associar esses preços a uma suposta ineficiência da empresa, quando na verdade sua contribuição vai à direção contrária.
Os preços altos cumprem assim duas funções. De um lado servem à tentativa de justificar os grandes projetos, apoiados incondicionalmente pelas construtoras. De outro lado, servem aos defensores da privatização, apoiados pelo trabalho de desinformação planejada da mídia.
7.Vender ou fechar
A Eletrobras caminha a passos largos para sua privatização. Os alvos iniciais são as suas distribuidoras, mas tudo indica que a intenção não é parar por aí (3). As ações da Eletrobras estão valendo hoje 1/3 do preço de cinco anos atrás.
‘Uma empresa que vive em crise tem baixa cotação no mercado. A privatização gosta de preços baixos, principalmente de empresas públicas que acumularam durante décadas o patrimônio que foi construído com o dinheiro e o esforço de todos’.
Como mostra a experiência real, a privatização não é sinônimo de aumento de eficiência e qualidade do serviço. De outro lado, a privatização significa, inexoravelmente, demissões! Além disso, o setor elétrico é um dos pilares da economia e seu desempenho tem impactos sistêmicos. A privatização desse setor significa deixá-lo a serviço dos lucros e não da sociedade.
Notas:
As aspas simples são usadas na reprodução de trechos do texto original e o uso de aspas duplas para dar destaque ou para realçar palavras ou expressões irônicas.
(1) Fonte: Eletrobras, dados Disponíveis em http://www.eletrobras.com/elb/ri – Valor considera o pagamento de dividendos correntes, de dividendos retidos e de juros sobre o capital próprio.
(2) Fonte: Eletrobras Informe aos investidores 4T14. .
(3) A Eletrobras pretende aprovar, no apagar das luzes de 2015, a privatização das distribuidoras. A AGE da empresa para aprovação da privatização está marcada para o dia 28/12/15. Sobre a possibilidade de privatização de outros ativos ver: