Nov 24, 2024

O fantasma de 1964

É desalentador e negativo para a imagem do Brasil ver como uma onda de indignação nas ruas deu legitimidade a uma iniciativa puramente política

 

O Brasil tem diante de si um grande desafio. Terá de explicar muito bem ao mundo, a seus parceiros políticos e comerciais da América Latina e fora dela por que o Congresso está depondo Dilma Rousseff, reeleita democraticamente, pelas urnas, há 19 meses, com 54 milhões de votos.

O que poderia justificar esse julgamento apressado e o afastamento? Ao pensar nas grandes deposições e renúncias da história, vem-nos à mente em especial o caso de Richard Nixon em 1974, deixando a Casa Branca em desgraça depois que se descobriu toda uma trama de espionagem nos escritórios do partido democrata no hotel Watergate.

É disso que se alimentaram, tradicionalmente, as chamas das verdadeiras quedas presidenciais nas grandes potencias internacionais. Como também no Brasil. Basta lembrar que quando Fernando Collor renunciou, em 1992, ele o fez na esteira de graves acusações de tráfico de influência e cobrança de propinas.

É estranho, assim, que Dilma Rousseff não esteja sendo julgada por fazer espionagem, por ter roubado, por ter enriquecido ou beneficiado a si ou a sua família durante os seis anos em que esteve no poder. Ao que sabemos, a presidenta não embolsou um único centavo além da remuneração de 320.000 reais ao ano que lhe cabe por presidir o país.

A governante é acusada de descumprir a legislação fiscal ao utilizar dinheiro de bancos públicos para cobrir buracos orçamentários, dando a sensação de que as contas governamentais estavam sob controle antes das últimas eleições.

Trata-se de uma maquiagem fiscal, pura e simples. Nada de novo debaixo do sol. São incontáveis os casos de ajustes de contas suspeitos nos países desenvolvidos. Isso foi feito no Brasil, nos Estados Unidos, na Espanha e no mundo todo, principalmente em anos de crise econômica. Sem dúvida, é uma prática nociva pela qual qualquer Governo deve prestar contas, mas que não justifica, de modo algum, a adoção de uma medida tão drástica como é o impeachment.

O bom das democracias ocidentais é que elas possuem garantias institucionais destinadas a renovar o Governo dentro de prazos definidos pela via constitucional. Se um presidente ou um primeiro-ministro fracassam em sua gestão, ele ou seu partido pagarão o preço nas eleições seguintes. Enquanto isso, têm o direito e o dever de governar. Mais do que isso: um país não pode viver em um estado permanente de campanha eleitoral. E não deve se pautar conforme as oscilações das pesquisas sobre popularidade.

Há hoje 61% de brasileiros para os quais a presidenta deve ser destituída? De fato. Mas certamente em 1978 era muito maior o percentual de norte-americanos que gostariam de ver o então presidente Jimmy Carter pelas costas, no contexto de uma crise econômica e energética não muito diferente da que vive hoje o Brasil. E esperaram. Foram às urnas em 1980, quando cabia, tiraram-no e escolheram Ronald Reagan por uma esmagadora maioria.

É desalentador e negativo para a imagem do Brasil ver como uma onda de indignação nas ruas deu legitimidade a uma iniciativa puramente política. É, falando claramente, uma operação liderada por legisladores muito mais suspeitos de corrupção que Rousseff. Um dado: mais de metade dos parlamentares do Brasil têm problemas com a Justiça, sofrendo acusações de delitos como sequestro, agressão e roubo.

Tudo isto condimentado com uma verdadeira crueldade. Não há palavra que descreva melhor o voto que o congressista conservador Jair Bolsonaro proferiu há um mês em favor do impeachment de Rousseff. Dedicou-o ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, responsável por incontáveis atos de tortura durante a ditadura, inclusive contra a própria presidenta. Seu filho Eduardo Bolsonaro, também congressista, votou em homenagem “aos militares de 64”.

É um drama que um político eleito pelo povo se permita hastear a bandeira de 1964. E dá fôlego a Rousseff e ao Partido dos Trabalhadores para denunciar um golpe de Estado perante os seus aliados internacionais. Naquele fatídico ano, um destacado jornal do Rio exigia em sua capa um “governo definitivo, apartidário e democrata”. “Não podem ser adiadas as medidas excepcionais reclamadas pela excepcionalidade da situação”, proclamava. Logo veio o golpe militar. O Brasil entrou em uma das etapas mais sombrias da sua história. As massas que apoiavam o golpe se atribuíam a representação do sentimento majoritário.

Ignoravam a máxima de que a verdadeira democracia representa a vontade da maioria, mas deve proteger também os direitos das minorias, incluídas neste caso as que querem que sejam respeitados os prazos eleitorais que permitem, acima de tudo, a estabilidade de um gigante da América Latina.

Fonte: EL PAÍS

Trabalhadores da Ford tentam negociar para não perder direitos

Na última segunda-feira (9), os trabalhadores da fábrica da Ford em São Bernardo paralisaram por 24 horas a produção em reação à pauta de ajustes apresentada na semana passada pela montadora ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. A empresa informou que não vai renovar o Programa de Proteção ao Emprego (PPE) e os contratos em regime de layoff e alegou que tem um excedente de 1.110 trabalhadores.

Além disso, a Ford pretende revisar cláusulas econômicas do acordo coletivo com os funcionários, fazendo revisões na tabela salarial, no pagamento da PLR e congelamento de salários. Plano médico, transporte e alimentação também estão ameaçados. "Não dá pra aceitar uma negociação sem contrapartida, que rebaixa direitos, conquistas e condições de trabalho que tanto lutamos para conseguir. Nós concordamos em discutir a competitividade, como fazemos sempre com as montadoras sediadas aqui no ABC, mas nesse momento, entendemos que fazer isso é justamente continuar utilizando mecanismos como PPE e layoff", disse Rafael Marques, presidente do Sindicato.

Ele lembrou que até 2013 o mercado automotivo brasileiro era um dos que mais crescia no mundo, o que garantiu grandes lucros às empresas. "Crescemos em ritmo chinês. De 2004 a 2015 as montadoras brasileiras remeteram US$ 24,5 bilhões às suas matrizes no exterior, o que ajudou no enfrentamento da crise dos EUA e da Europa. Agora esse fluxo se inverteu. As matrizes estão enviando recursos e as direções mundiais estão exigindo como contrapartida duros ajustes em suas fábricas brasileiras. Não podemos aceitar essa lógica e vamos lutar para reverter isso", garantiu.

Para Marques, a situação enfrentada hoje pela Ford é resultado de uma série de erros que a própria empresa cometeu. "A Ford é uma das montadoras que mais importam peças. Quando o dólar começou a inverter a tendência, abordamos esse assunto com a fábrica e sugerimos que ela montasse uma equipe para nacionalizar as peças, pois seria bom para a empresa e para o País. Isso não foi feito e, hoje, com o dólar alto, o custo das peças importadas pesa bastante. Além disso, a Ford não utiliza as ferramentarias brasileiras. O Inovar Auto oferece vantagem fiscal para as empresas que desenvolvem o seu ferramental no Brasil e eles não souberam aproveitar. Há problemas sim no mercado brasileiro, mas há também problemas na direção da empresa no Brasil e no mundo. E o trabalhador não pode pagar por isso".

Hoje (10), o Sindicato realiza nova rodada de negociação com a empresa. Rafael Marques tem a expectativa de que possa se chegar a um meio termo. "Nossa paralisação de hoje foi um alerta à direção. Queremos construir alternativas conjuntas, de forma responsável, mas os trabalhadores estão deixando claro que estão dispostos a lutar pela manutenção dos seus empregos e direitos".

A Ford tem atualmente 3,8 mil trabalhadores. Destes, cerca de 3 mil estão sobre o regime do PPE e 400 estão em layoff, com jornada reduzida em 20%.  Os trabalhadores já retornaram ao trabalho hoje.

Fonte: Jornal GGN

“Quem paralisa o Brasil?”, questiona artigo do presidente da CUT-RS

Quem paralisa o Brasil?

As elites resolveram convergir em torno de algo hediondo: travar o país agora e impedir que a presidenta Dilma governe, a fim de engatar macha ré nos próximos dias. Quem viver verá.

Os banqueiros paralisam o Brasil quando, ávidos por lucros, optam pelo rentismo e encarecem o crédito para o consumo e a produção. O excesso de pessimismo e de denuncismo da mídia tradicional paralisa o Brasil, ao semear a ideia de que tudo que acontece ultimamente não presta.

Os empresários paralisam o Brasil, quando embarcam no golpe, em vez de construírem saídas pactuadas, que já foram testadas em países que hoje são líderes mundiais. Acometidos pelo velho complexo de viralata, acabam crescendo como rabo de cavalo, para baixo.

O Congresso Nacional, enlameado com indícios de corrupção, paralisa o Brasil quando foca apenas pautas retrógradas, mais parece com um tribunal de inquisição medieval que um parlamento republicano moderno. Certos segmentos do judiciário paralisam o Brasil, quando inviabilizam a empresa e o empreendimento, em vez de punir o empresário corruptor. Quantos empregos foram solapados e quantas obras estão pela metade com a midiática Operação Lava Jato?

A oposição partidária também paralisa o Brasil, pois, a se ver diante da quarta derrota eleitoral, apressa-se para mudar as regras do jogo, pisando na democracia e rasgando a Constituição.

Na ausência de canais para se expressar de forma equânime, os movimentos sociais recorrem ordeiramente, sempre que necessário, à ocupação de ruas para chamar a atenção da sociedade e transmitir o seu descontentamento. Neste momento, precisamos dizer aos empresários, que o retrocesso que tentarão emplacar nos direitos trabalhistas não será tolerado.

Em torno de toda essa névoa da política brasileira, esconde-se algo bastante grave. As elites querem sabotar a possibilidade de forjarmos um país mais justo e igualitário, onde jovens tenham acesso à educação, famílias à moradia, pobres a auxílio para se alimentar, mulheres a mais valorização e trabalhadores a empregos com melhores salários e direitos respeitados. Impedir que haja retrocesso é obrigação de quem defende a democracia.

 

Claudir Nespolo
Presidente da CUT-RS

Fonte: CUT-RS

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