Grupos empresariais, incluindo estrangeiros, têm avançado em sua participação no setor educacional brasileiro. O último exemplo foi a aquisição do Centro Universitário Leonardo da Vinci, especializado em educação à distância, pelo fundo norte-americano Carlyle e pela Vince Capital Gestora. Para Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a aposta neste modelo pedagógico, apesar de “mais rápido”, é de “baixa qualidade”.
Diante deste cenário, Cara defende o direito à educação tendo como pressuposto um ensino público e de qualidade. Ele ainda afirma que o pré-sal seria um elemento decisivo para se garantir recursos para o ensino de qualidade e universal em pouco tempo.
Segundo Cara, o projeto do senador José Serra (PSDB-SP), o PL 131/2015, que revoga a participação obrigatória da Petrobras na exploração de petróleo do pré-sal, é negativo para a educação pública ao se apresentar como um entrave à meta de destinar 10% do Produto Interno Bruto (PIB) ao setor. Sendo que esse patamar seria obtido através do Fundo Social do Pré-Sal.“É só o primeiro passo: o objetivo é acabar com o regime de partilha, que estabelece o próprio Fundo Social”, afirma.
O projeto de lei de Serra foi aprovado pelo Senado no último dia 24, e ainda passará pela Câmara de Deputados e sanção presidencial.
Contexto
A compra realizada pela Carlyle e pela Vince ocorreu após o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) exigir que a Kroton, empresa fundada em Belo Horizonte (MG), se desfizesse do Centro Leonardo Da Vinci quando se fundiu com o Grupo Anhanguera, processo que resultou no surgimento no maior grupo privado de ensino superior do mundo.
O interesse do setor privado no ensino superior, de acordo com Daniel e Lisete Arelaro, ex-diretora e professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), decorre do fato de que o retorno financeiro é garantido através do financiamento estatal.
“O setor público investe cerca 6,7% do PIB. Deste total, o setor privado fica com cerca de 1% do PIB, ou seja, algo em torno de 50 bilhões – dinheiro público investido no setor privado – fortemente relacionado com o ensino superior, mas também incluindo creches e escolas conveniadas. Por isso se atrai tantos agentes estrangeiros”, explica Daniel.
Se a demanda atrai investimento de fundos financeiros, o inverso também ocorre: a financeirização dos grandes grupos privados de ensino, que têm ações negociadas na bolsa: “O ProUni, hoje, sustenta a Kroton/Anhanguera. Eles têm 800 mil bolsas. Os ganhos são aplicados onde? Na bolsa de valores, como ação. Além de um baixíssimo nível de qualidade de ensino, nós, povo brasileiro, estamos financiando o lucro deles”, critica Lisete.
A Kroton-Anhanguera passou a ser a 17ª maior empresa da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Seu valor de mercado é avaliado em R$ 24 milhões. Em 2013, antes da fusão, o Grupo Anhanguera faturou 766 milhões de dólares. Naquele ano, 400 mil pessoas estudavam em alguma unidade do grupo. Em termos comparativos, o número representa 36% do total de alunos em universidades federais (1,1 milhão). No panorama geral brasileiro para aquele período, 73,5% dos estudantes estão em instituições privadas – 5,3 milhões de universitários.
Duas décadas
Na opinia Daniel, “para universalizar, o Brasil precisaria investir duas décadas seguidas, mas em um cenário econômico muito distinto do atual, com crescimento de 2% ou 3% ao ano, 10% do PIB. No médio prazo, é preciso garantir uma década, de 2014 a 2024, com expansão de vagas e melhoria da qualidade. Na outra década, é preciso que esse percentual se repita, para aperfeiçoar a qualidade das matrículas existes e alcançar a universalização”.
Além do cenário econômico adverso, as propostas de alteração no regime de exploração do pré-sal dificultam ainda mais essa possibilidade. “A gente nunca teve a ilusão de que o pré-sal resolveria o problema do financiamento na primeira década. Mas ele é muito promissor para a próxima. O preço do petróleo vai voltar a um patamar de normalidade. Pelos preços atuais, o pré-sal [já] vale de três a quatro trilhões de dólares. A votação do projeto do Serra coloca um entrave para a exploração. Para a economia é muito ruim, porque os custos da Petrobras são menores, sobraria mais recurso para o Fundo Social. É isso que vamos perder se a linha das bancadas do PMDB e PSDB, articuladas, prevalecer”.
Lisete vai além: a resolução da questão educacional necessita de amplas reformas na sociedade, principalmente a tributária. “A outra questão é taxar grandes fortunas. O milionário paga o mesmo percentual que eu de imposto. É uma estrutura elitista em que quem paga mais imposto é o mais pobre. Os ricos, inclusive, têm 'n' formas de se desviar do pagamento do imposto de renda”.
Ensino à distância
Para especialistas em educação e pedagogia, o modelo no qual o Centro Universitário Leonardo da Vinci – o ensino à distância – se baseia merece críticas e ressalvas.
“Eu tenho clareza de que uma coisa é fazer um segundo curso, ou formação continuada de professores, por exemplo, ou de cidadão em geral. Outra coisa é a primeira licenciatura ou primeiro bacharelado. É necessário um professor que te oriente, alguém que te ensine a pesquisar”, aponta Lisete.
“São distribuidores de diplomas, contra o pensamento crítico. Para um grupo que acredita exclusivamente no lucro, não há nenhuma contribuição efetiva que tenha sido demonstrada, em qualquer lugar do mundo. A qualidade do material é deplorável, lamentável. Não contribui para formação, se você pensa que o ensino deve criar pessoas críticas, que sejam capazes de realizar novas descobertas científicas e de incorporar avanços tecnológicos”, afirma.
A referência de Arelaro aos materiais didáticos é central no debate de modelo educacional. Um dos pilares da Kroton, por exemplo, é a utilização de material didático pré-definido para todos os níveis escolares. “É um ensino pré-fabricado. Conteúdos e formas de trabalhar já foram escolhidos e ponto. Isso empiricamente não funciona”, explica a pedagoga. “A questão que estamos vivendo, a onda de conservadorismo. Vem de onde? Eles formam gente que, acima de tudo, nunca tenha discutido, que não tenha autonomia intelectual”.
Daniel concorda: “está se criando no Brasil uma fábrica de diplomas com ensino à distância. Essas empresas não estão preocupadas com qualidade do ensino, mas sim em aumentar o número de possibilidades para uma pessoa adquirir um diploma, isso não é educação, é venda de curso de baixa qualidade para obtenção de diploma de ensino superior ou técnico”.
Fonte: Brasil de Fato