Nov 21, 2024

Declaração final do G20 Social traz resolução sobre transição energética justa

Declaração final do G20 Social traz resolução sobre transição energética justa Paulo Neves

A pluralidade de vozes que construiu o G20 Social ao longo da presidência brasileira do G20 está sintetizada no documento final que foi apresentado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no sábado (16), durante o encerramento do encontro. A Declaração do Rio de Janeiro sintetiza as resoluções que foram aprovadas em consenso por movimentos sindicais e sociais do Brasil e de vários outros países que participaram da Cúpula Social do G20.

O documento apresenta propostas para o combate à fome, para a sustentabilidade e a reforma da governança global, com o objetivo de serem apresentadas aos líderes de Estado na Cúpula do G20, que começou nesta segunda (18), no Rio de Janeiro.

A transição energética justa é uma das resoluções que contou com contribuições das organizações que participaram da atividade autogestionada realizada pela FUP e demais entidades da Plataforma Operária e Camponesa da Água e da Energia.

Os movimentos sociais exigem compromissos concretos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e proteger ecossistemas essenciais, como as florestas tropicais. A Declaração propõe a criação de um fundo internacional para financiar ações de conservação e incluir as populações locais em atividades produtivas sustentáveis.

O documento enfatiza ainda que a transição justa deve ser o princípio norteador de um modelo de desenvolvimento sustentável, que garanta condições equitativas para trabalhadores e trabalhadoras, enfrentando também o racismo ambiental e a pobreza energética.

Vozes que precisam continuar ecoando

O G20 Social foi considerado histórico e pioneiro para os movimentos sindicais, sociais e populares, que, pela primeira vez puderam ter voz ativa durante a programação G20 em caráter oficial. Em seu discurso, o presidente Lula relembrou a trajetória da criação do evento e ressaltou que não foi fácil engajar a sociedade para participar das atividades oficiais do governo.

“Todos se lembram quando eu estava na presidência, no outro mandato, a gente fazia reuniões do Mercosul. O movimento sindical e os movimentos sociais, ao final de cada reunião, apresentavam aos presidentes as suas reinvindicações. Depois, isso acabou porque depende muito da vontade de cada presidente”, disse.

Ele convocou os movimentos sociais para permanecerem em luta, ao afirmar que o “encerramento do G20 Social é apenas o começo de uma luta que deve durar 365 dias por ano”. O presidente alertou também que é preciso continuar trabalho ao longo dos tempos, para que a luta seja reforçada e, que, de fato, as reivindicações se transformem em políticas que promovam um mundo mais justo, igualitário e que haja paz.

“Marca o começo de uma nova etapa que exigirá trabalho contínuo durante o ano todo. Conto com a força de vontade e dinamismo da sociedade civil para outros eventos que virão como a Cúpula dos Brics e a COP 30”, disse o presidente sobre dois eventos que serão realizados no Brasil, em 2025.

Márcio Macêdo, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, garantiu que a Declaração será entregue aos chefes de Estado do G20 com “as impressões digitais do povo”.

O G20 Social no Rio de Janeiro contou com cerca de 50 mil participantes em três dias de evento, com 271 atividades autogestionadas que debateram 300 temas. O evento, que reflete o ineditismo e a ampliação das vozes cidadãs, terá continuidade na África do Sul, próximo país a sediar o G20.

Uma Declaração para o futuro

Na cerimônia de encerramento do do G20 Social, Mazé Morais, representante da sociedade civil, leu a Declaração Final, enfatizando que ele foi resultado de um processo participativo que buscou amplificar as vozes frequentemente ignoradas nas decisões globais. O texto enfatiza três pilares centrais: combate à fome, à pobreza e à desigualdade; enfrentamento das mudanças do clima e transição justa; e reforma da governança global.

O documento ressalta que foi construído com a contribuição de grupos historicamente marginalizados, como mulheres, negros, indígenas, pessoas com deficiência, trabalhadores da economia formal e informal, comunidades tradicionais e pessoas em situação de rua. Esses segmentos, frequentemente afetados pelas decisões globais, demandam mais participação nos processos de governança mundial.

Os movimentos exigem uma reforma urgente para que instituições como a ONU e outros organismos multilaterais reflitam a realidade contemporânea. A reformulação do Conselho de Segurança da ONU é vista como fundamental para ampliar a representatividade global e promover soluções mais justas e eficazes.

O texto de conclusão do documento faz um apelo aos líderes do G20: “É hora de assumirmos a responsabilidade de liderar uma transformação profunda e duradoura. Este é o momento de agir com determinação e solidariedade para fortalecer instituições, combater a fome e as desigualdades, mitigar os impactos das mudanças climáticas e proteger os ecossistemas”.

Combate à fome e justiça socioeconômica

Uma das propostas centrais é o apoio à Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, alinhada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. A defesa é que a Aliança tenha um fundo específico para políticas públicas de combate à fome, com garantia de acesso universal à alimentação adequada, à terra e à água.

A Declaração também destaca a necessidade de democratizar a produção e distribuição de alimentos, valorizando práticas agroecológicas e evitando a mercantilização de recursos naturais. O trabalho digno, conforme os padrões da Organização Internacional do Trabalho (OIT), também é prioridade, com defesa da formalização do mercado, fortalecimento da economia solidária e ampliação dos direitos sindicais. Leia abaixo a íntegra do documento:

G20 Social – Declaração Final

A Cúpula Social do G20, reunida entre os dias 14 e 16 de novembro, no Rio de Janeiro, ao final do amplo processo de participação do G20 Social, convocado pela Presidência Brasileira do G20, dirige aos líderes mundiais, que se reunirão entre os dias 18 e 19 de novembro, na Cúpula do C20, a seguinte DECLARAÇÃO sobre as principais propostas da sociedade civil global, consensuadas durante os trabalhos realizados ao longo do ano, em torno dos três temas centrais da presidência brasileira do G20:

Combate à Fome, à Pobreza e à Desigualdade; Sustentabilidade, Mudanças do Clima e Transição Justa; Reforma da Governança Global;

Quem somos e de onde falamos

Representamos movimentos sociais e organizações da sociedade civil do Brasil e do mundo, reunidos ao final de intensos processos participativos, que buscaram dar voz aos mais diversos segmentos da sociedade global, frequentemente impactados, mas raramente ouvidos nas grandes decisões geopolíticas e macroeconômicas conduzidas por um seleto grupo de mandatários.

Durante esses meses de trabalho, buscamos incorporar as demandas, reivindicações e propostas historicamente construídas pelas organizações e movimentos de mulheres, negros e negras, povos originários e indígenas, comunidades tradicionais, pessoas com deficiências, LGBTQIA+, jovens, crianças, adolescentes, pessoas idosas, populações deslocadas ou em situação de rua, migrantes, refugiados e apátridas, trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, da economia formal, informal, solidária e de cuidados. Todos clamando por uma reforma da governança global que assegure o fim dos conflitos armados, o desenvolvimento e a justiça socioambiental para si e para todo o planeta.

Combate à fome, à pobreza e à desigualdade

Em caráter de urgência e prioridade máxima, é imperiosa a adesão de todos os países do G20 e outros Estados, à iniciativa da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Em alinhamento com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU, essa aliança deve promover a cooperação e a intercooperação entre países e organismos internacionais, estabelecendo um fundo específico para financiar políticas públicas e programas de combate à fome, de forma a garantir o acesso universal à alimentação adequada.

Defendemos a soberania alimentar, a partir da produção de alimentos saudáveis, como um pilar para erradicar o flagelo da fome em cada nação e no plano global. Os povos devem ter reconhecido o direito de acesso democratizado à terra e à água, de controlar sua própria produção e distribuição de alimentos, com ênfase em práticas agroecológicas e de preservação do meio ambiente. A promoção de uma alimentação saudável deve ser central para assegurar justiça socioambiental, garantindo que todos os grupos sociais, independentemente de raça, classe, gênero ou origem, tenham acesso igualitário aos benefícios ambientais, respeitando as culturas alimentares tradicionais e evitando a mercantilização dos recursos naturais.

Reafirmamos a centralidade do trabalho decente, conforme os padrões da OIT, como elemento essencial na superação da pobreza e das desigualdades. É crucial combater o trabalho escravo, infantil, o tráfico humano e todas as demais formas de exploração e de precarização do trabalho. Enfatizamos a defesa da formalização do mercado de trabalho e de economias inclusivas e contra-hegemônicas, como a economia popular e solidária, cooperativas, cozinhas solidárias e o reconhecimento e valorização da economia de cuidados. É essencial assegurar que todos, especialmente jovens, população negra, mulheres e os mais vulneráveis, tenham acesso a empregos dignos, sistemas de seguridade e proteção social e à ampliação dos direitos sindicais.

Sustentabilidade, mudanças do clima e transição justa

Os mesmos dilemas que atingem milhões de pessoas vítimas da fome, das desigualdades e da pobreza refletem-se no descompromisso da maioria dos países desenvolvidos e de suas elites com o enfrentamento das mudanças climáticas e o aquecimento global. As populações mais afetadas pela fome e pela pobreza são as que mais sofrem com as emergências climáticas e desastres naturais, que se tornam mais intensos e frequentes em todo o mundo.

Reiteramos a urgência de enfrentar as mudanças climáticas, com respeito à ciência e aos conhecimentos tradicionais dos nossos povos, destacando a importância dos compromissos de adaptação e mitigação no âmbito da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) e do Acordo de Paris. É uma exigência ética que os líderes mundiais assumam um compromisso firme com a redução de emissões de gases de efeito estufa e do desmatamento, bem como a proteção dos oceanos, condições essenciais para limitar o aquecimento global a 1,5°C e evitar danos irreversíveis ao planeta.

A transição justa, como processo de transformação socioeconômica para um modelo sustentável, deve ser o princípio norteador para substituir o modelo de produção baseado em combustíveis fósseis por uma economia de baixo carbono. Essa transformação precisa enfrentar a exclusão social, a pobreza energética e o racismo ambiental, e garantir condições equitativas para trabalhadores e trabalhadoras, pessoas negras e comunidades vulneráveis. Reforçamos que essa transição exige um esforço relevante de educação ambiental, participação social e formação cidadã.

Precisamos reforçar, também, a proteção de nossas florestas tropicais através da criação do Fundo Floresta Tropical para Sempre (TFFF), um mecanismo de financiamento internacional dedicado à sua proteção e inclusão socioprodutiva das populações que delas vivem e as mantém em pé. Este fundo, somado a um Novo Objetivo Quantificado Coletivo (NCQG) de financiamento climático, fortalecerá a articulação global necessária para preservar o meio ambiente, garantindo o apoio financeiro contínuo para conservar a biodiversidade e enfrentar a crise climática de forma eficaz.

Reforma da governança global

Para atingir esses objetivos, reivindicamos a necessária e inadiável reforma do modelo atual de governança global, que já se mostrou incapaz de oferecer respostas aos desafios contemporâneos e a manutenção da paz.

Assim, enfatizamos a necessidade inadiável de reforma das instituições internacionais para que reflitam a realidade geopolítica contemporânea, com a promoção do multilateralismo e ampliação da participação dos governos e povos dos países do Sul Global nos fóruns decisórios. Em especial, a reforma do Conselho de Segurança da ONU é imprescindível para garantir a diversidade de vozes globais e promover soluções mais equilibradas e eficazes frente aos desafios atuais.

Defendemos que esta reforma abrace a premissa da promoção da democracia e da participação da sociedade civil. A democracia está em risco quando forças de extrema direita promovem desinformação, discursos totalitários e autoritários, atentando contra os direitos humanos e veiculando mentira, ódio, preconceito, xenofobia, etarismo, racismo e violência nas relações sociais e políticas, dentro das fronteiras de cada país e no plano internacional. Defender a democracia implica em defender o Estado Democrático de Direito e a participação direta da população nos mecanismos nacionais e internacionais de regulação das informações. O exercício do direito à transparência e comunicação plural assegura uma governança global inclusiva, conferindo legitimidade e eficácia aos Estados e organismos internacionais.

Acreditamos que a justiça fiscal é uma ferramenta fundamental para alcançar o desenvolvimento sustentável. Por isso, defendemos a taxação progressiva dos super-ricos, com a garantia de que os recursos arrecadados sejam destinados a fundos nacionais e internacionais de financiamento de políticas sociais, ambientais e culturais. Esses e todos os demais fundos aqui reivindicados devem estar regidos por princípios de transparência, controle e participação da sociedade civil.

Conclusão

Senhores e senhoras líderes do G20, é hora de assumirmos a responsabilidade de liderar uma transformação que seja efetivamente profunda e duradoura.

Compromissos ambiciosos são essenciais para fortalecer as instituições internacionais, combater a fome e a desigualdade, mitigar os impactos das mudanças do clima e proteger nossos ecossistemas. Este é o momento de agir com determinação e solidariedade. Com vontade política e a institucionalização de instâncias como a Cúpula Social do G20, podemos, sim, construir uma agenda coletiva que honre o compromisso com a justiça social e com a paz global.

 Com informações da CUT e do G20 Social/Edição da comunicação da FUP

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