Nov 21, 2024

FUP no G20 social: transição energética só é justa com soberania, inclusão e participação popular

A diretora da federação, Miriam Cabreira, uma das mediadoras do painel, destacou a complexidade do tema, pois envolve tanto a necessidade de se fazer a transição energética, quanto a busca por soluções para reduzir o impacto sobre os trabalhadores, os territórios e as populações. “Estamos fazendo um debate complexo sobre conceitos, um debate de projetos, que exige soluções complexas que precisam ser apontadas pelos trabalhadores e pelas populações afetadas”, afirmou, enfatizando que os recursos naturais e energéticos não podem ser tratados meramente como mercadorias e sim como bens sociais e coletivos. “Não queremos ver se repetir na história do nosso país mais um ciclo econômico em que a gente seja só fornecedores. Nós queremos mudar o nosso papel no mundo. Estamos falando da necessidade da população debater e mudar os rumos do nosso planeta”, declarou.

As contribuições feitas durante o debate realizado serão remetidas à plenária das centrais sindicais, que aprovará um documento conjunto, com demandas da classe trabalhadora, para ser entregue ao presidente Lula e ao presidente da África do Sul, país que sediará a próxima reunião do G20. O objetivo é que as propostas sejam encaminhadas à Cúpula de Líderes.

No documento, há um tópico relacionado à transição energética justa, em que as entidades sindicais irão reafirmar a importância do trabalho decente e da valorização da vida de todas as populações impactadas pela crise climática.

Duda Quiroga, da Direção Nacional da CUT, ressaltou a importância da diversidade no debate da transição. “Para falar em transição energética justa e democrática tem que falar de gênero, de raça e tem que falar dos nossos territórios. Tem que nos ouvir, nos dar voz, nos dar visibilidade, caso contrário não haverá respeito aos nossos povos, nem às nossas vidas e, portanto, não nos interessa. Daí a importância de termos esse espaço no G20, construído pelo presidente Lula e inédito na história do G20”, afirmou.

Paulo Neves, diretor da FUP, do Sindipetro Amazonas e da CTB Amazonas, destacou a maturidade dos movimentos sociais e sindicais em priorizar o debate da transição energética, que, além de justa e inclusiva, precisa ser urgente, dada a aceleração dos eventos climáticos. “Há dois anos, os cientistas já haviam afirmado que o mundo tal qual a gente conhece hoje, não existirá mais daqui a cinco anos. Eu nunca havia imaginado uma tempestade de areia em Manaus, como presenciei recentemente, da janela da minha casa. As mudanças já estão ocorrendo, como temos vivenciado em tantas tragédias ambientais”, afirmou, reforçando o desafio que essa agenda representa para as organizações sindicais e sociais.

Mudanças nos processos de trabalho

O economista do Dieese, Cloviomar Cararine, que assessora a FUP, chamou atenção para o impacto da transição energética para os trabalhadores, lembrando que é um tema novo, que até há um tempo atrás não fazia parte da agenda sindical e que nos últimos anos ganhou espaço e tem sido cada vez mais central para a classe trabalhadora. Ele destacou que o Brasil tem tudo para ser uma referência mundial na produção de energia limpa, aumentando o acesso a essas fontes e a renda que elas geram, mas para isso, as empresas estatais precisam entrar fortemente nessa disputa.

“O movimento sindical defende que a transição energética seja justa, o que significa não deixar ninguém para trás e envolver os trabalhadores e a população nesse debate. Temos que levar em conta também que estamos passando simultaneamente por dois processos que impactam diretamente os trabalhadores: a transição tecnológica e a transição energética. Novos processos de trabalho vão ser gerados, outros já estão sendo extintos e é preciso qualificar esses trabalhadores e gerar novos empregos com qualidade. Além disso, fazer a transição energética justa é pensar também em uma série de outros trabalhos que já estão sendo bastante impactados pelo clima”, afirmou Cararine, citando o exemplo dos agricultores, dos carteiros, dos trabalhadores que atuam no setor de turismo, entre outros que são afetados pelo aquecimento global e pelos eventos climáticos extremos.

O coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar, reforçou que o impacto da indústria petrolífera nas emissões de gases de efeito estufa preocupa os trabalhadores do setor, que são também afetados pelas mudanças climáticas e querem ser parte da busca de soluções que viabilizem uma transição energética justa, inclusiva, soberana e com participação popular. “Entendemos que políticas públicas precisam ser promovidas pelo Estado e que a indústria de energia precisa ir além da descarbonização de suas atividades. Esse processo não é simples, pois envolve questões geopolíticas e diversos atores, mas precisa ser feito com controle do Estado e com diálogo social sobre como será essa transição e para quem ela servirá”, afirmou.

“Por termos metade da nossa matriz energética formada por fontes renováveis, o Brasil tem uma situação bastante diversa em relação aos demais países do G20 e, portanto, temos a oportunidade nessa agenda da transição energética de fazer o diálogo entre a indústria nacional, as comunidades e os trabalhadores, para que possamos gerar empregos de qualidade, diferente do que acontece hoje no Nordeste, por exemplo, onde a indústria de energia eólica e solar geram empregos precarizados e impactam as comunidades”, destacou.

O coordenador da FUP frisou, ainda, a necessidade do Brasil avançar nas pesquisas e no desenvolvimento de combustíveis do futuro, um debate que ainda está muito incipiente no país. Ele destacou que, com a volta do presidente Lula, a Petrobrás também voltou e está incorporando a narrativa da transição energética justa. Ativos importantes foram retirados do rol de privatizações, como a PBio, a empresa avançou na recuperação de bens estratégicos para a segurança energética nacional, como as plantas de fertilizantes nitrogenados, há projetos para a construção de uma primeira planta piloto de geração de hidrogênio verde e a Petrobrás é hoje a empresa com maior potencial de energia eólica offshore do mundo.

“No entanto, a maior parte dos investimentos feitos pela Petrobrás na transição energética está voltada, principalmente, para a descarbonização de suas atividades. O que temos defendido é que esses investimentos avancem também para os combustíveis do futuro”, afirmou Bacelar.

Ele também enfatizou a necessidade do diálogo da Petrobrás com os trabalhadores, as comunidades e os movimentos sociais que representam os territórios impactados e que precisam estar inseridos no debate da transição. “Nossa empresa, assim como o governo, está em disputa e ainda temos gestores que são resistentes à realização de uma transição energética justa e inclusiva, que respeite os trabalhadores e as comunidades”, enfatizou.

O sindicalista destacou o papel da FUP na busca desse diálogo permanente, tanto com a Petrobrás, que é um instrumento-chave na transição energética, quanto com os demais atores envolvidos. A entidade tem pautado esse debate nos Conselhos em que tem assento no âmbito do governo federal, como o CDESS (Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável) e o CONFERT-MDIC (Conselho Nacional de Fertilizantes e Nutrição de Plantas) e também em ações junto ao Comitê Interministerial da Taxonomia Sustentável Brasileira (Ministério da Fazenda). Além disso, a entidade tem participado ativamente dos debates internacionais, como membro da TUED (Sindicatos pela Democracia Energética) e da Progressive International (PI) e também via participação nas Conferências Climáticas da ONU (COP).

Segurança energética

Mahatma Ramos, diretor técnico do Ineep, alertou que os grandes grupos econômicos já estão se apropriando da agenda da transição energética, como é o caso, por exemplo, da chamada economia verde. Ele explicou que essa é uma forma de reestruturação do sistema capitalista diante das crises financeira e climática, cujos efeitos ambientais, econômicos e sociais afetam o globo inteiro, mas de forma desigual nos territórios.

“O debate sobre o uso sustentável dos recursos e a necessidade de descarbonização das matrizes energéticas globais e de descarbonização das economias tem como vetor central a questão da segurança energética nacional. Todos os atores que estão envolvidos no debate da transição energética, sejam eles os Estados nacionais, a comunidade científica, os espaços internacionais de diálogo, as grandes empresas internacionais de energia, eles se orientam a partir das estratégias nacionais de busca pela garantia de segurança energética”, explicou.

“Pensar a transição energética, portanto, é pensar um processo social complexo que se expressa essencialmente pela necessidade de reforma do capitalismo e muitas vezes os interesses dos atores que coordenam essa transição não estão associados às demandas populares e a uma ideia de justiça social. A consolidação de um novo paradigma energético será lenta e a longo prazo e o Estado precisará ter um papel central na coordenação e formulação de políticas públicas que possam promover essa transição energética e acelerar as respostas à crise climática”, declarou.

A apresentação do Ineep destacou que o Brasil tem um histórico de políticas públicas para o setor de energia focadas na sustentabilidade e no incentivo aos biocombustíveis e aos combustíveis de baixo carbono. Enquanto no mundo as fontes renováveis representam apenas 15% das matrizes energéticas, aqui elas são 49%. Se no resto do planeta, o setor de energia e o segmento de óleo e gás são responsáveis por 66% das emissões dos gases de efeito estufa (GEE), no Brasil, a indústria de energia, incluindo a produção de combustíveis fósseis, representa 18% das emissões de GEEs.

“Precisamos, sim, descarbonizar a nossa indústria de energia, mas o nosso maior problema no curto prazo é reduzir as emissões associadas à agropecuária e aos desmatamentos, que hoje são responsáveis por 75% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil”, alertou Mahatma.

Ele afirmou que a transição energética não pode desconsiderar o peso do setor de óleo e gás no Brasil, que é o 9° maior produtor e 8° maior consumidor de petróleo do mundo, além de possuir o 9° maior parque de refino do planeta. Além disso, o país tem uma baixa intensidade de carbono associada à exploração e à produção de óleo e gás. A indústria nacional petrolífera atende a 45% da oferta de energia interna e é responsável por 12,5% da produção elétrica nacional. Um setor que representa 11% do PIB e que gera 600 mil postos de trabalho formais.

“É importante pensar a descarbonização, o avanço de novas rotas tecnológicas e a transição no setor de óleo e gás, mas temos que assegurar tanto a segurança energética nacional, quanto a dimensão e o impacto financeiro, social e geopolítico que esse setor tem para o Brasil”, alertou o diretor do Ineep.

Ele lembrou ainda que o Brasil saiu de um governo de retrocessos, que negava a crise climática, para um governo que, desde a posse do presidente Lula, em 2023, tem criado novos espaços institucionais para debater a agenda da transição energética, fomentando discussões de mudanças do arcabouço regulatório e das condições de financiamento das políticas industriais, da energia e da transição energética, tanto no poder legislativo, quanto no executivo. Além disso, o governo Lula voltou a inserir o Estado brasileiro nos espaços internacionais de negociações climáticas.

Entre os principais desafios destacados pelo Ineep para a formulação de uma transição energética no Brasil estão a ampliação da capacidade estatal de coordenação e governança dos múltiplos sistemas de políticas públicas, com participação e diálogo social; barrar processos de privatização de serviços públicos essenciais e estratégicos; o combate à pobreza energética e o fortalecimento da mobilização social em torno da agenda da transição justa.

FUP

Facebook