A Recap, em São Paulo, caminhando na contramão de tudo o que a Petrobras tem expressado como princípios e valores, surpreende negativamente seus funcionários no evento de abertura da Parada Programada Intermediária (PPI) 2024, ao convidar para palestrar Hortência Marcari, ex-atleta, campeã mundial e vice-campeã olímpica de basquete.
A “rainha” do basquete chocou os funcionários com um discurso datado, repleto de preconceitos, revelando uma mulher que chegou aos 64 anos mantendo um aspecto extremamente jovial, mas possui ideias que ficaram no passado.
Do começo ao fim, a palestra lembrou o título do filme de 2005, estrelado pelo artista 50 Cent: Fique rico ou morra tentando. Com declarações como: “Vocês têm um objetivo muito importante agora, vocês têm que focar nesse objetivo, vocês têm que largar tudo e focar nisso” e “Existem dores, a dor física e a psicológica […] Não vão chegar em lugar nenhum se não doer”. Ela descreve como para atingir a maior performance possível no basquete abdicou de sua vida pessoal, incentivando todos a deixarem família e amigos em segundo plano para focar no trabalho e carreira. Analisando que nos situamos numa sociedade patriarcal e boa parte do público era composta de homens, fala como essa tem um grande potencial de motivar homens a deixarem os trabalhos de cuidado da casa e da família para suas esposas.
E seguindo com mais requintes de misoginia, ela afirma: “Quando eu jogava, os meus técnicos colocavam os meninos pra me marcar, eu ficava p*ta, por que como eu ia jogar contra os meninos? Os meninos são mais altos, mais rápidos, mais fortes, mais ágeis, eu tinha uma dificuldade não só para atacar contra eles, quanto para defendê-los. Mas em compensação, quando eu ia jogar com as meninas eu arrebentava”.
Um paradoxo confunde a todos quando, exaltando a meritocracia presumida por ela dentro do esporte, que é, nas suas palavras, “um dos lugares que mais têm inclusão”, também se mostra nem um pouco aberta ou versada no tema ao comentar de forma debochada sobre a necessidade de inclusão de todos os corpos dentro do esporte no qual ela é soberana: “Uma gordinha dizendo que tinha que ter cota de gordinha dentro do basquete, pode um negócio desses? A gordinha vai jogar comigo se ela for boa”.
Um comentário considerado positivo ao ser destacado na reportagem do evento na intranet corporativa desaponta, mas não surpreende porque é o espelho de um comportamento nocivo que vemos continuar se perpetuando dentro da Cia, o de passar por cima da segurança e dos procedimentos para atingir uma meta ou resultado: “Fazia mil arremessos todos os dias, hoje eu tenho dor no meu ombro, o meu ombro é todo cagado, mas a verdade é que eu gosto de sentir essa dor, essa dor me faz lembrar aquilo que eu fui, e aquilo que eu fui me dá muito orgulho, talvez se eu não tivesse essa dor hoje, eu não estaria aqui para contar a minha história, eu não teria tido tudo que eu conquistei, eu não teria sido campeã do mundo, vice olímpica, etc. tem que doer”. Em uma empresa na qual tantos funcionários têm problemas de saúde ocupacionais é uma afronta tentar afirmar que eles podem ser motivo de orgulho.
Além de estimular o adoecimento como forma de atingir melhores resultados, postura ainda mais doentia é exibida quando, ao ser questionada sobre o que fazer com um colega acomodado, sua resposta imediata foi: “Eu mando embora!”. Em uma Cia que diz estar se preocupando com a saúde mental de seus funcionários, é inadmissível tal perspectiva.
Por fim, esperamos que a Recap repense o que a motivou a contratar tal palestra e que haja também uma revisão dos ideais que queremos norteando nossas atividades. Essa revisão se estende a toda a Cia, em especial às unidades que receberam a mesma atleta, a REGAP para a SIPAT 2023 e a RPBC para o evento “Regras do Jogo” da Parada de Manutenção do mesmo ano. E que estimulemos que indivíduos sejam vistos como fins em si mesmos, e não como meios para se atingir uma meta, pois desconsiderando a dignidade humana, nenhum trabalho e nem nenhuma parada poderá ter resultados positivos.”