A proposta de mudança no sistema de cobrança do ICMS sobre combustíveis enfrenta oposição dos estados e, segundo analistas, não traria impactos de curto prazo sobre os preços nos postos. Para o mercado, a tendência é que gasolina e diesel continuem pressionados durante o ano, diante da recuperação das cotações do petróleo.
A ideia, anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nesta sexta (5), como uma resposta à insatisfação dos caminhoneiros, não é nova: o próprio presidente já havia defendido as mudanças há um ano, quando as cotações do petróleo dispararam após o assassinato do general iraniano Qasem Soleimani.
Também vem sendo defendida pelo setor de combustíveis há anos, sob o argumento de que reduz os riscos de fraudes e garante maior previsibilidade aos preços. Em 2018, logo após a greve dos caminhoneiros, o tema ganhou destaque nos debates sobre preços dos combustíveis no país.
Os estados, porém, são contra a ideia. "Não é cabível que o presidente da República queira vulnerabilizar o equilíbrio fiscal dos estados brasileiros transferindo a responsabilidade para os estados", afirmou no início da tarde de sexta o governador de São Paulo, João Dória (PSDB).
Ele defendeu que, em São Paulo, o ICMS representa apenas 13% do preço final do diesel e sugeriu ao governo que mexa em impostos federais ou na própria Petrobras se quiser baixar os preços. "O presidente Bolsonaro tem mecanismos no âmbito federal e no âmbito da Petrobras para estabelecer o entendimento que achar mais eficiente."
Doria afirmou que, após a entrevista em que Bolsonaro anunciou a proposta, conversou com "diversos governadores" com posição contrária ao tema e ameaçou com ação conjunta para derrubar eventuais mudanças.
No início de 2020, o presidente Bolsonaro passou a falar mais sobre o preço dos combustíveis depois de assessores mostrarem que o tema afeta sua popularidade
Para especialistas, a simples mudança na sistemática de cobrança do ICMS não impactaria os preços, já que, caso aceitem a proposta, os estados deverão estabelecer alíquotas que mantenham os níveis de arrecadação com a venda de combustíveis.
"Os estados têm seus orçamentos e não estão com superávit. Na hora que determinar um valor fixo [do ICMS], vão olhar para sua necessidade de caixa. Não acredito em imediata redução da carga tributária", diz o Sérgio Araújo, presidente da Abicom (Associação Brasileira das Importadoras de Combustíveis).
"O próprio presidente falou seguidas vezes, na entrevista, que os governos estaduais não serão afetados. Por isso, parece improvável que as medidas tenham impacto significativo sobre o preço nos postos", completa o coordenador técnico do Ineep, Rodrigo Leão.
Segundo dados do Confaz, em 2020, as vendas de combustíveis renderam R$ 80,3 bilhões em ICMS, o equivalente a 13% da arrecadação dos estados e do Distrito Federal.
Para os especialistas, os preços dos combustíveis seguirão pressionados pela recuperação das cotações internacionais do petróleo, que reagem às expectativas de retomada da economia com o avanço da vacinação contra a Covid-19 pelo mundo.
"De julho para cá, o petróleo Brent [referência internacional usada pela Petrobras] subiu quase 40%. E, para piorar, o real desvalorizou muita coisa", comenta Adriano Pires, do CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura).
Em 2021, diz ele, a expectativa é que continue subindo. Para o CBIE, pode chegar aos US$ 60 por barril, enquanto a média de 2019 ficou em US$ 47 por barril. Se o real permanecer desvalorizado, afirma Pires, a tendência é que novos reajustes sejam necessários.
Em janeiro, o preço da gasolina nos postos brasileiros subiu 2,65%. O do diesel teve alta menor, de 0,39%. Os dados, porém, ainda não captaram os reajustes feitos nas refinarias da Petrobras no fim do mês. Também não refletem a possibilidade de novos reajustes nas próximas semanas.
Para a corretora Ativa Investimentos, por exemplo, há espaço para alta de até 12% nas refinarias em fevereiro. "Evidentemente que alta dessa magnitude, se ocorrer, deverá ser parcelada, mas destacamos que hoje trabalhamos com tal potencial", explica o economista da Ativa Guilherme Sousa.