No dia 24 de janeiro, a indústria de energia e o mercado financeiro viveram um frenesi com o pedido de demissão do atual presidente da Eletrobrás – empresa estatal líder do setor de energia elétrica na América Latina –, o engenheiro Wilson Ferreira Junior. O anúncio veio condicionado ao convite para assumir o comando da BR Distribuidora – a maior distribuidora de combustíveis do país, privatizada em 2019.
No dia seguinte ao seu pedido de desligamento, o executivo afirmou que sua renúncia ocorreu por dificuldade em aprovar a privatização. “Para que a gente tenha o reforço da mensagem, é importante que ele [o presidente Jair Bolsonaro] se envolva também”, apontou.
O projeto de desestatização da Eletrobrás começou a ganhar força logo após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, que resultou na ascensão de Michel Temer (MDB) à presidência da República. Em janeiro de 2018, o então chefe do executivo enviou ao Congresso o primeiro projeto de lei de privatização da empresa.
Entretanto, a falta de avanços fez com que o atual ministro da Economia, Paulo Guedes, elaborasse outro projeto de lei, assinado por Bolsonaro em novembro de 2019. A proposta prevê a venda de ações ordinárias, que dão direito à voto, com o objetivo de diminuir a participação da União na companhia para menos de 50%, significando a perda do controle acionário.
Essa nova tentativa, todavia, também não caminhou na Câmara, como era o desejo de Ferreira, que está no comando da Eletrobrás desde junho de 2016 e sempre se mostrou entusiasta da transferência da estatal de eletricidade ao capital privado.
Apesar de ter falhado no seu objetivo principal, Ferreira ganhou como prêmio pelos anos de insistência na Eletrobrás a presidência de uma empresa que já teve seu processo de privatização concretizado.
Para isso, entretanto, o executivo contou com uma brecha na Lei nº 12.813, de 2013, que dispõe sobre os conflitos de interesses ao exercício posterior da atuação em cargos públicos. A lei permite com que a Comissão de Ética Pública, ligada à presidência da República, dispense a quarentena de seis meses entre a saída do funcionário de um cargo público e a atuação na iniciativa privada.
A partir desse artifício, aceito pela Comissão de Ética, Ferreira deixará a presidência da Eletrobrás no dia 17 de março para assumir o comando da BR Distribuidora apenas dois dias depois, no dia 19 de março. Mesmo assim, continuará atuando no Conselho de Administração da Eletrobrás até abril.
Anteriormente subsidiária integral da Petrobrás, a BR Distribuidora começou a ser vendida em dezembro de 2017, quando teve 29% das suas ações oferecidas no mercado financeiro pelo valor de R$ 5 bilhões.
Posteriormente, em julho de 2019, já durante o governo de Bolsonaro, a petroleira se desfez de mais 33,5% do capital que possuía, por R$ 8,6 bilhões, perdendo o controle acionário da empresa. Em agosto do ano passado, em plena pandemia, o Conselho de Administração da estatal aprovou a venda da participação remanescente de 37,5% na BR Distribuidora, ainda não concretizada.
Durante sua gestão à frente da Eletrobrás, Ferreira foi responsável pela elaboração de planos de demissão voluntária, que previa a dispensa de 1700 trabalhadores. Nas discussões para a sua implementação, o executivo se referiu aos eletricitários como “vagabundos” e “safados”.
“São 40% da Eletrobrás, 40% de cara que é inútil, [que] não serve para nada, ganhando uma gratificação, um telefone, uma vaga de garagem, uma secretária. Vocês me perdoem. A sociedade não pode pagar por vagabundo, em particular, no serviço público”, afirmou Ferreira na ocasião.
Posteriormente, o presidente reconheceu que “usou algumas expressões rudes em áudio divulgada pelos sindicatos” e que os insultos “foram tirados do contexto”.
Sindipetro-SP