Na sexta-feira 24, a Petrobras divulgou uma notícia um tanto quanto inusitada. Em meio a comunicações recorrentes de privatizações milionárias, a estatal anunciou a venda – em um site de leilões públicos – de três plataformas de produção de petróleo pelo preço de 1,45 milhão de dólares. A título de comparação, uma unidade nova de produção FPSO custa entre 500 a 800 milhões de dólares, segundo os cálculos do consultor Adam Muspratt para o site Oil and Gas iQ. Isso levando-se em conta apenas o valor da unidade, sem considerar os demais custos de instalação.
As três plataformas eram unidades semissubmersíveis localizadas na bacia de Campos, com capacidade de produção 25 mil barris de petróleo/dia, em águas rasas e semirasas. As três estão paradas, mas com todos os certificados em dia e aptas a produzir, com complexos sistemas de produção, refrigeração e filtragem de água, entre outros.
A alienação destas plataformas se insere na estratégia da direção da companhia de focar suas atividades de exploração e produção de petróleo (E&P) na província do pré-sal, colocando à venda – ou mesmo interrompendo a produção – as demais áreas onde a empresa atua. Esse processo de parada de produção exigirá o descomissionamento de vários campos e a venda como sucata de unidades de produção situadas nestas áreas.
A direção da Petrobras comunicou que implementará o descomissionamento de 18 campos de petróleo na plataforma continental (mar), com parada total de produção, fechamento dos poços, recuperação ambiental da área e venda de unidades plataformas. É exatamente esse o caso das três plataformas.
A abrupta queda do preço do petróleo na segunda quinzena de março – reflexo da forte contração da demanda por combustíveis líquidos e consequência da pandemia mundial de COVID-19 – assim como da falta de acordo para redução da produção entre os principais países produtores de petróleo, criou as condições para a direção da Petrobras tomar a decisão de agilizar sua estratégia.
Vendo-se obrigada a reduzir sua produção por conta dessa mudança de cenário, a Petrobras deixou de produzir 58 mil barris de petróleo nestes campos de uma hora para outra, acelerando a venda ou a interrupção de várias unidades de produção não prioritárias para a nova estratégia da empresas. Além disso, a Petrobras aproveitou-se da queda dos preços do barril do petróleo para realizar gigantescos processos de impairments, que têm como consequência uma forte desvalorização dos ativos de exploração e produção. Isso porque a estatal, ao adotar parâmetros rigorosos e supondo que os preços do petróleo ficarão extremamente baixos nos próximos anos, diminuiu a expectativa de geração de receitas desses ativos no longo prazo.
O cenário econômico traçado para embasar essa decisão é bastante questionável, principalmente no tocante às projeções para o preço do petróleo, destacadas abaixo. Apesar disso, o fato é que a Petrobras destruiu 64,24 bilhões de reais por meio do processo de redução do valor recuperável dos ativos (impairments).
Quadro 1 – Estimativas de Preços do Baril/Brent Utilizadas nos Cálculos da Petrobras
A utilização de preços subestimados implicou na diminuição das estimativas dos fluxos de caixa a serem gerados nas unidades produtivas da empresa, o que tornou vários destes ativos antieconômicos de uma hora para outra. Isso levou a decisões de parada de produção. O quadro 2, abaixo, apresenta o comportamento real dos preços.
Quadro 2 – Preço do Barril do Brent no Primeiro Semestre de 2020
Como se pode observar, os preços reais ficaram muito acima das estimativas utilizadas pela estatal. Uma estimativa do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) aponta que os preços médios em 2020 devem ficar um pouco acima de 35 dólares por barril. Foi essa estimativa de valor para o ano de 2020 que a Shell, por exemplo, utilizou para realizar seus testes de impairments.
Em junho de 2020, o preço já estava no patamar esperado pela Petrobras para o ano de 2023. O preço médio ponderado pela produção ficou em 50,63 dólares nos seis primeiros meses do ano, e em 33,59 dólares entre os meses de abril e junho, período agudo da crise.
Apesar da realidade confrontar as estimativas da empresa, a direção da Petrobras não revisou sua decisão de destruir 64,24 bilhões de reais. Mais do que isso, ela manteve sua estratégia de parar ou mesmo encerrar a produção em campos menos produtivos e acelerou o descomissionamento de poços, o que vai implicar em novos eventos de venda de plataformas, aptas a produzir petróleo e gerar lucro para a companhia, como sucatas em casas de leilão. Estão aproveitando a crise para passar a boiada.