A Assembleia Legislativa aprovou nesta terça-feira (02) a venda de três estatais que têm em comum a atuação na área de energia, a CEEE gerando, transmitindo e distribuindo energia elétrica; a Sulgás distribuindo gás natural; e a CRM produzindo o carvão que alimenta usinas termelétricas. Mas para especialistas ouvidos pelo Sul21, isso não significa que o Governo do Estado tenha um plano específico para a energia. As privatizações estariam mais vinculadas a uma visão de mundo.
“Eu acho que foi uma infeliz coincidência. Como o governo não tem uma política energética, não está preocupado com o que vai acontecer no futuro. E aí se fosse uma fábrica de sabão, ou de kilowatt hora, aparentemente, tudo se reduz a cifrões. Eles não vão vender as escolas porque talvez não tenha quem compre”, afirma o professor do Departamento de Engenharia Elétrica da UFRGS Luiz Tiarajú dos Reis.
Ele aponta que o Estado teria outra forma de resolver seus problemas financeiros, como cobrar o ressarcimento pela Lei Kandir, e, no caso específico da CEEE, resolver a questão dos funcionários ex-autárquicos, que trabalhavam na antiga Comissão Estadual de Energia e, após ingressarem na CEEE, a companhia nunca conseguiu incluir as despesas com eles na tarifa. Servidores calculam que a empresa pode receber até R$ 8 bilhões do Governo Federal em uma ação referente a este tema, mas, enquanto isto, os ex-autárquicos geram um passivo para a CEEE. “Como não foi detalhado o processo de venda, aparentemente esses custos vão ficar com o Governo do Estado. Então, as obrigações ficam e o patrimônio vai. Realmente isso aí é para satisfazer alguma diretriz ideológica”, conclui Reis.
Gládis Barros, também professora do Departamento de Engenharia Elétrica da UFRGS, tem visão semelhante: “Eu não vi o Governo apresentar um plano energético para o Estado. É uma coincidência de ter essas empresas. São grandes empresas e um patrimônio considerável que pode voltar para o Estado um dinheiro, que é o que eles querem de imediato, para sanar as questões financeiras, mas não como um projeto”.
O professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP Ildo Sauer entende que se trata de uma questão ideológica. “É uma visão de mundo”, resume. Sauer recorda que uma onda liberal ressurge nos anos 1970, tendo como laboratório a ditadura chilena, depois sendo aplicada na Europa e nos Estados Unidos, por nomes como Margareth Thatcher e Ronald Reagan. “O mundo entra em crise e se atribui isso ao gigantismo do Estado e aos direitos dos trabalhadores”.
No Brasil, segundo Sauer, esse processo se iniciou com Fernando Collor, teve certo refluxo com Itamar Franco, e uma retomada “com todo ímpeto” no Governo FHC. Com os governos do PT, as políticas liberais foram amenizadas, mas não revertidas. No Rio Grande do Sul, Antônio Britto foi o primeiro governador a lançar mão do ideário neoliberal. Gaúcho de Campina Das Missões, Sauer participou de debates na Assembleia Legislativa, sobre as privatizações propostas por Britto, nos anos 1990. “Eles prometiam que a venda das estatais se fazia para abater a dívida pública, reduzir as tarifas e aumentar a qualidade dos serviços. A dívida pública aumentou, as tarifas aumentaram muito acima da inflação e a qualidade não melhorou”, afirma.
Antes dessa nova onda liberal, as empresas que prestam serviços de interesse público já tinham sido privadas. No caso da energia elétrica, só em 1959, quando Leonel Brizola encampa a empresa estadunidense Bond & Share, é que o Estado passa a ter uma empresa pública. “Eu tive um professor que dizia que, lá no fim da década de 50, aqui no Rio Grande do Sul não se conseguia ligar um motor”, recorda Luiz Tiarajú dos Reis. “Então, o Governo do Estado encampou as empresas, criou uma companhia de energia elétrica, até que no final da década de 90 se decidiu privatizar dois terços dessa companhia. O serviço que essa companhia prestava era razoavelmente bom. Progressivamente a gente foi notando que caiu a qualidade do serviço”, diz
Fonte: Sul 21