A Petrobras informou na manhã desta quarta-feira, 12, que mais um passo foi dado rumo à privatização de oito refinarias em todo o país, incluindo a Alberto Paqualini, a Refap, em Canoas. Um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) reafirma o compromisso da empresa em abrir espaço para que a iniciativa privada atue no mercado de refino, o que a lei já permite mas, na prática, pouco acontece. Faz parte do acordo a privatização das refinarias comunicado pela Petrobras em 26 de abril e, diferente do que era proposto como modelo defendido em ocasiões anteriores, a empresa pretende vender 100% dessas unidades. Antes, o plano era uma venda parcial, com a Petrobras mantendo capital acionário e participação operacional em todas elas.
A mudança na propriedade da Refap acentua as paixões a favor e contra a privatização, mas o que pode tirar o sono da cidade, na verdade, nada tem a ver com os aspectos ideológicos da questão. A Refap privada pode determinar uma perda de até 30% na arrecadação do ICMS que retorna ao município. Em valores absolutos, isso pode chegar a impactantes R$ 110 milhões por ano ou até mais, já que os valores utilizados como base de cálculo para cobrança do imposto não são oficialmente divulgados.
Custo e valor de venda
A conta é um pouco complexa - mas em se tratando de milhões, necessária. A Refap pertecente à Petrobras, hoje em dia, compra barris de petróleo cru para refino a um preço bastante em conta. Isso porque a estatal é detentora do monopólio da extração do mineral e repassa às refinarias o produto ao preço de custo. Para complementar a operação, a empresa também compra petróleo no mercado internacional e repassa às refinarias - desta vez, com valor de mercado.
Os valores das transações não são muito fáceis de encontrar: ficam protegidos pela direção da empresa sob o argumento de que o sigilo beneficia as negociações. Sites de economia mais confiáveis dão o preço do barril a US$ 75 a preços do final de abril de 2019, mas esse não é necessariamente o preço pago pela Petrobras - o preço final do produto depende uma série de variáveis que se alteram quase que diariamente.
O caminho da carga, no entanto, é conhecido: depois que um navio cheio de petróleo chega do exterior, as refinarias tem a chance de 'por a carga no seu portifólio' - que é as compras de matéria-prima são tratadas no ambiente petroleiro. Os valores são negociados no Rio de Janeiro pela Diretoria de Comercialização da Petrobras e só então o preço do barril chega para ser apontado nos registros tributários da unidade específica que o comprou.
Se a Refap for privatizada, a Petrobras não terá obrigação nenhuma de fornecer o petróleo cru ao preço de extração. Vai praticar o mesmo preço de mercado - mais caro, portanto. E é aí que mora o perigo.
O risco para o ICMS
Por que o preço do petróleo cru pago por uma Refap privatizada prejudicaria Canoas? É que o retorno do imposto é calculado, basicamente, pela diferença entre o preço pago pela matéria-prima e o valor final de venda do produto já manufaturado, no caso da Refap, a gasolina ou o GNV e seus derivados. Quando o preço do petróleo cru for maior, menor fica a diferença - e menos o município arrecada.
E como estamos falando de milhões de litros de gasolina e gás natural todos os dias, a conta da perda só sobe.
Quanto vem para Canoas?
Canoas arrecada cerca de R$ 439,4 milhões com o ICMS por ano, de acordo com números do Governo do Estado - isso dá quase 21% de um orçamento que em 2019 deve bater a casa dos R$ 2,1 bilhões. Só a Refap paga cerca de R$ 360 milhões, conforme a Prefeitura - 82% do que Canoas arrecada com o retorno do ICMS.
Daí a conta: se o preço de custo da Refap privatizada subir 30%, o retorno do ICMS tende a cair na ordem de 25%, de acordo com o cálculo do imposto feito pela Receita Estadual gaúcha. Em valores absolutos, quase R$ 110 milhões em um ano.
Como é o cálculo do retorno do ICMS
Este ano, o Governo do Estado vai devolver aos municípios o equivalente a R$ 6,5 bilhões a título de retorno do ICMS. Canoas é o terceiro município com a maior fatia nesse bolo: 6,76% pelo índice apurado em 2018 e que vigora em 2019. Ano passado, era 7,06%, o que significa que as crises de 2015 e 2017 provocaram um impacto de negativo na economia do município, derrubando o retorno do ICMS em 4,30%.
Esse percentual de retorno tem como base duas questões: 25% é distribuído de forma equânime entre todos os 497 municípios gaúchos. Os demais 75% são definidos pelo VAR, o Valor Adicionado Fiscal - basicamente, a diferença entre o que a empresa gasta com matéria-prima e o valor final do produto que vende.
O VAF é estabelecido levando em conta os números dos dois anos anteriores, o que dilui o impacto negativo das depressões da economia na arrecadação dos municípios - mas não significa que elas não repercutam nos números. No caso de uma empresa que venha a fechar as portas de uma hora para outra, o município se protege por esta conta num primeiro momento, mas nos anos seguintes o efeito aparece - e a arrecadação cai. É o que pode acontecer quando a Refap for privatizada e diminuir o VAF na produção de gasolina por aqui.
Governo está atento
A Prefeitura de Canoas prefere não se manifestar por enquanto sobre a possibilidade de perder arrecadação com a privatização da refinaria - nem confirma peremptoriamente os números apresentados nessa reportagem. No entanto, a Secretaria da Fazenda segue fazendo os cálculos do impacto da medida no orçamento do município.
Extraoficialmente, a reportagem apurou que o prefeito Luiz Carlos Busato (PTB) não descarta uma viagem a Brasília para conversar com o Governo Federal a respeito da privatização. Se não há mais condições de revertê-la - especialmente com o acordo feito com o CADE nesta quarta-feira -, pelo menos há chances de medidas mitigatórias caso os números de perda de arrecadação se confirmem.
Fonte: Blog do Rodrigo Becker - Matéria extraída do jornal Diário de Canoas do dia 13/06/19.