A especialidade do Golpe é a destruição. Implode tudo em que bota a mão: soberania, empregos, economia, educação, saúde, ciência, Petrobras, Eletrobrás, etc. Promove uma devastação econômica, social e política sem precedentes. Sua grande fonte de inspiração histórica é Átila, o huno. Por onde passa, a grama não cresce mais. Não crescem mais também empregos, oportunidades, salários, justiça social, alimentação, saúde etc.
Em política externa não é diferente. O Golpe inaugurou não apenas uma política externa passiva e submissa a interesses de grandes potências. Inaugurou também o que pode ser chamada de política externa do coice e do zurro.
Iniciada por José Serra, tal política distribui pancadas e gritos toda vez que algum país ou algum organismo internacional ousa questionar as políticas implosivas do Golpe ou atrapalha seus interesses.
Assim, Serra agrediu a Nicarágua e El Salvador por questionarem o golpe. Promoveu assaltos verbais contra a Unasul pelo mesmo motivo. Ameaçou o Caribe e a África com fechamentos de embaixadas, ofendendo países amigos que também abriram embaixadas no Brasil. Distribuiu pródigos coices contra o Mercosul e a integração regional, sem esconder seu desprezo por nossos vizinhos e sua intenção de recolocar o Brasil na órbita estratégica dos EUA. Brigou com o pequenino Uruguai para tirar a Venezuela do Mercosul. Até mesmo a Comissão de Direitos Humanos da OEA não foi poupada das agressões verbais do ex-chanceler.
Seu sucessor, após pedido de alguns líderes mundiais para que Lula pudesse concorrer às próximas eleições, teve reação apoplética e desrespeitosa, incompatível com relações minimamente civilizadas.
Desse modo, os chanceleres do Golpe demonstram incompetência e inabilidade para representar os interesses brasileiros no concerto das nações, emitindo declarações raivosas e estapafúrdias, inadequadas à linguagem diplomática, cobrindo de vergonha o país e um corpo diplomático de extrema dedicação e profissionalismo.
Contudo, a atuação do ministro do trabalho do Golpe na última Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT) superou tudo o que se viu até agora.
Num pronunciamento inacreditável em defesa da Deforma Trabalhista do Golpe, que provocou vaias gerais e incredulidade no público presente, ele acusou abertamente a organização centenária de se deixar “instrumentalizar para o jogo político doméstico”. O motivo desse rompante de ditador de província é a inclusão do Brasil na lista, elaborada pelo Comitê de Peritos da OIT, dos 24 países que mais violam as normas internacionais de proteção aos trabalhadores. A inclusão, disse nosso ministro, foi "político-ideológica".
Ora, o governo golpista já vinha sendo advertido, desde o início da tramitação da Deforma Trabalhista, que ela era incompatível com alguns princípios fundamentais e convenções básicas da OIT. Assim, na Conferência da OIT do ano passado (a 106ª), o Comitê de Peritos para a Aplicação das Convenções e das Recomendações, com relação ao caso do Brasil, fez, entre outras observações, a seguinte: “A esse respeito, o Comitê recorda que o objetivo geral das Convenções 98, 151 e 154 é a promoção da negociação coletiva para encontrar um acordo sobre termos e condições de trabalho que sejam ainda mais favoráveis que os previstos na legislação”. O Comitê também solicitou ao Governo que proporcione informações sobre qualquer evolução a respeito.
Por que havia essa preocupação? Porque a OIT, nas mencionadas Convenções, estimula as negociações livres e coletivas entre patrões e trabalhadores, desde que tais negociações resultem em condições mais favoráveis ao trabalhador do que aquelas previstas em lei. Ou seja, a legislação trabalhista deve ser vista como um piso de direitos, que serviria de base para avanços ulteriores, com base na capacidade de cada setor econômico. A lógica da OIT, portanto, é a de transformar a negociação coletiva em instrumento de avanços laborais e sociais.
Ora, a lógica da Deforma Trabalhista do governo é o exato oposto da lógica progressista da OIT. Ela transforma a legislação trabalhista em um teto a ser sistematicamente rebaixado, através de negociações coletivas assimétricas, no contexto atual de grande fragilização da classe trabalhadora pela recessão e o desemprego.
Por isso, o Comitê de Peritos da OIT já tinha observado também, no ano passado, a respeito da Deforma Trabalhista do governo ilegítimo, que:
De uma perspectiva prática, a Comissão considera que a introdução de uma possibilidade geral de redução, através da negociação coletiva, das proteções para os trabalhadores na legislação teria um forte efeito disuasor sobre o exercício desses direitos e poderia contribuir para a deslegitimação durável destes mecanismos. E uma disposição que possa estabelecer a derrogação geral do direito do trabalho através da negociação coletiva seria contrária ao objetivo de promover a negociação coletiva livre e voluntária estabelecido pela Convenção nº 98.
Dito e feito, aprovada a Deforma Trabalhista, “o negociado passou a prevalecer sobre o legislado”, sempre em detrimento dos interesses dos trabalhadores, que agora são obrigados, muitas vezes, a fazer trabalhos temporários, a se terceirizar, enfim, a aceitarem a precarização trabalhista para conseguirem sobreviver. E o pior é que a Deforma, feita em tese para aumentar o número de empregos, só fez aumentar a taxa de desemprego, de acordo com os dados do IBGE. Ademais, em 2017, quase todas as ocupações geradas foram precárias.
Assim, as razões que levaram a inclusão do Brasil na lista dos 24 países foram unicamente técnicas e jurídicas. Observe-se que a definição dessa lista cabe exclusivamente ao Comitê de Peritos, e leva em consideração o equilíbrio entre as regiões do mundo, Convenções fundamentais e violações frequentes.
A OIT foi fundada em 1919, como parte das negociações do Tratado de Versailles. Na época, julgou-se que a paz duradoura só poderia ser alcançada com justiça social. Portanto, estamos tratando aqui de um organismo internacional praticamente centenário que antecedeu a ONU em várias décadas. Estamos falando também de um organismo que abriga representações tripartites (empresários, trabalhadores e governos) de 187 países. Estamos falando de uma organização que, por seu trabalho incansável em prol da justiça social, ganhou o Prêmio Nobel da Paz, em 1969. Portanto, quando falamos da OIT, estamos falando de um dos organismos internacionais mais respeitáveis e legítimos do planeta, que faz parte do sistema da ONU.
Por conseguinte, achar que a OIT, essa respeitável instituição centenária, maior autoridade mundial em questões trabalhistas, foi “instrumentalizada” por “petistas”, “bolivarianos” ou quaisquer outros para favorecer disputas políticas domésticas, como afirmou o ministro do governo golpista, é de uma estupidez abissal. Demonstra ignorância insuperável e arrogância olímpica.
Em vez de tentar fazer uma defesa técnica da Deforma Trabalhista, que sabemos ser muito difícil, o ministro preferiu agredir a OIT e tudo o que ela representa, causando constrangimento colossal na conferência. Um espetáculo vergonhoso, inédito na história da OIT.
Provavelmente, o ministro achou que estava numa manifestação contra “petistas e comunistas”, na Avenida Paulista. Só faltou vestir a camisa da CBF e levar cartazes contra Paulo Freire e Getúlio Vargas. Não estava. Estava na OIT, templo internacional da defesa dos direitos trabalhistas, na pacata Genebra. Devia saber disso e se comportar de acordo, e não promover o show execrável e patético.
O Brasil, que vinha sendo elogiado na OIT, há alguns anos, por suas ações em prol da igualdade social e da eliminação do trabalho escravo e do trabalho infantil, agora se converteu num pária, num contraexemplo equiparado a países como Haiti e Botsuana.
Para completar o desastre vergonhoso, o governo do Golpe manda um emissário agredir a OIT na própria OIT.
Com esse episódio, Átila, o huno, deixou de ser a personificação do Golpe. Para bem caracterizá-lo teríamos de unir Átila, o huno, com Bozo, o palhaço.