Na semana passada, o assassinato da vereadora do PSol (RJ), Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, escancarou de forma trágica, uma situação que tem se tornado cada vez mais frequente no cotidiano dos lutadores sociais. Marielle foi mais um caso entre as dezenas de assassinatos que têm ocorrido no país, de norte a sul, desde que ocorreu o golpe político-midiático-institucional, que derrubou um governo democrático e popular, para colocar no seu lugar um governo atolado em corrupção, com ministros e lideranças respondendo a processos pelos mais diversos crimes e que tem usado da violência policial para reprimir os movimentos sociais e as manifestações contra o governo.
No caso específico do RJ, não foram poucas as vozes que se levantaram para denunciar a iniciativa da intervenção militar como uma ação que resultaria em violações de direitos humanos, como vem ocorrendo.
O LADO OBSCURO DO GOLPE: A ELIMINAÇÃO FÍSICA
É bom lembrar que muitos golpistas comungam da lógica como a do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que recentemente teria dito que em um evento para mil convidados do setor financeiro, na sede do banco BTG Pactual, no dia 6 de fevereiro, que a “solução" para acabar com a criminalidade no complexo de favelas da Rocinha (RJ), seria "metralhando" a região.
E os assassinatos que vêm ocorrendo de norte a sul do país, atestam que os golpistas e seus apoiadores se sentem legitimados para tomar atitudes drásticas para se ver livre daqueles que consideram um empecilho às sua ganância e a manutenção dos seus privilégios.
Segundo um relatório da Anistia Internacional, o Brasil é o país das Américas onde mais se matam defensores dos direitos humanos. O relatório chama atenção para o aumento dos assassinatos de defensores de direitos humanos nos últimos três anos. De janeiro a agosto de 2017, 58 ativistas foram assassinados. Em 2016, foram 66 ativistas assassinados.
Entre as vítimas estão defensores do meio ambiente e do direito à terra, advogados e líderes comunitários que defendiam o direito das mulheres e de grupos LGBT, ou que combatiam a exploração sexual.
Nas Américas, 75% das mortes no ano passado ocorreram no Brasil, apontado pelo estudo como o país mais perigoso para defensores de direitos humanos na região.
RECORDES TAMBÉM NA LUTA PELA TERRA
A luta pela terra mostra outra face cruel deste cenário de golpe e de imposição de interesses. Segundo a Pastoral da Terra, em 2017, mais de 65 pessoas foram assassinadas em conflitos no campo. O número mais elevado desde 2003 e quase metade deles em situações de massacres e ainda de dezenas de indígenas que sequer são computados nas estatísticas.
Os conflitos no geral se dão por expulsões de famílias diretamente pelo latifúndio e o agronegócio, e despejos de milhares de famílias em cumprimento a ações judiciais favoráveis a supostos proprietários e/ou grileiros.
NAS CIDADES, OS ATAQUES AOS LUTADORES
Muitos dos ataques dos golpistas não chegam a morte, mas ficam perto disso e causam ferimentos graves em professores, estudantes, mulheres, trabalhadores ou quem quer que ouse se manifestar e resistir aos desmandos do governo golpista. Estados comandados especialmente pelo PSDB, como São Paulo e Paraná, ou MDB, como o Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, tem se destacado na violência.
Na semana passada, professores em greve e que se manifestavam em frente ao prédio da Câmara Municipal contra a votação de um projeto de lei do prefeito Jorge Doria (PSDB) da reforma da previdência municipal foram recebidos com uma violência assombrosa, pela polícia militar e municipal, que deixou inúmeros feridos.
Ligando os pontos sobre uma execução planejada:
Outubro de 2016: Marielle foi eleita a quinta vereadora mais votada do Rio, com 46 mil votos, se consolidando como referência para o movimento negro e feminista.
16 de fevereiro: Michel Temer decretou uma Intervenção Federal no estado do Rio de Janeiro
28 de fevereiro: Marielle foi nomeada relatora da Comissão que acompanha e fiscaliza as violações na Intervenção.
10 de março: Marielle denuncia violência policial em Acari.
13 de março: Um dia antes de ser assassinada, Marielle postou em seu perfil do Twitter um protesto contra o assassinato de mais um jovem no Rio, questionando a ação da Polícia Militar: "Mais um homicídio de um jovem que pode estar entrando para a conta da PM. Matheus Melo estava saindo da igreja. Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?"
14 de março: Marielle foi vítima de uma execução, assim como seu motorista Anderson Gomes, após um evento chamado "Jovens Negras movendo as estruturas".
Todo esse contexto nos faz pensar que Marielle foi executada por defender a construção de uma sociedade mais justa. A luta de Marielle em torno do fim genocídio da população negra e da ampliação do Feminismo incomodava muita gente. O cenário de Intervenção Federal se tornou o panorama político desejado para eliminar os sonhos de transformação social.
ATOS NO BRASIL E NO EXTERIOR
A situação exposta com a morte de Marielle repercutiu em todo o Brasil e o exterior.Manifestações foram realizadas na capitais e em diversas cidades pelo mundo.Também houve manifestações de instituições brasileiras e internacionais que lutam por direitos humanos e pelas liberdades.
Em Porto Alegre,os petroleiros participaram da manifestação organizada na Esquina Democrática, exigindo justiça, investigação sobre os assassinos da vereadora e fim dos ataques à democracia.
Centrais sindicais, entre elas a CUT, e movimentos sociais, também denunciaram publicamente a violência e exigiram uma rápida e profunda investigação sobre o caso de Marielle e das demais mortes no país. “O ataque à vida de Marielle é um ataque à democracia. Os sonhos de Marielle são os sonhos dos trabalhadores”, diz nota da CUT-RJ.
ESTATÍSTICAS MACABRAS
As estatísticas mostram que a morte de líderes comunitários, ativistas e militantes políticos executados em diferentes regiões do Brasil só cresce. Mas este número pode ser ainda maior, já que as mortes suspeitas de trabalhadores que não tinham, pelo menos de forma evidente, papel político de liderança, não são registradas nestas estatísticas.
O historiador Fernando Horta, doutorando na Universidade de Brasília, vem se dedicando a uma lista dessas vítimas, executadas por conta dos trabalhos que desenvolviam por suas comunidades.
Marielle Franco - vereadora no Rio de Janeiro pelo PSOL, socióloga, ativista dos movimentos feminista e negro, atuava na comunidade da Maré, onde morava, e, na semana anterior a sua morte, denunciou a violência e os abusos policiais no bairro de Acari.
Paulo Sérgio Almeida Nascimento - líder comunitário da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama). Nascimento era atuante nas denúncias contra a refinaria Hydro Alunorte, responsável pelo vazamento de dejetos tóxicos nas águas da região no começo do mês.
George de Andrade Lima Rodrigues - líder comunitário em Recife.
Carlos Antônio dos Santos - líder comunitário no Mato Grosso. Era um dos líderes do Assentamento PDS Rio Jatobá, em Paranatinga, no Mato Grosso.
Leandro Altenir Ribeiro Ribas - líder comunitário na Vila São Luís, em Porto Alegre, ocupação da zona norte da capital gaúcha.
Márcio Oliveira Matos - liderança do MST na Bahia. Tinha 33 anos e foi morto na frente do filho.
Valdemir Resplandes - líder do MST no Pará , foi executado na cidade de Anapu, no Pará.
Jefferson Marcelo do Nascimento - líder comunitário no Rio havia feito uma série de denúncias contra uma quadrilha de milicianos dias antes de ser executado.
Clodoaldo do Santo - líder sindical do Movimento SOS-Emprego de Sergipe
Fabio Gabriel Pacifico dos Santos - líder quilombola na Bahia.
José Raimundo da Mota de Souza Júnior - líder do Movimento dos Pequenos Agricultures (MPA) na Bahia. Era defensor da agroecologia e educador popular.
Rosenildo Pereira de Almeida - líder comunitário da ocupação na Fazenda Santa Lúcia, no Pará. Ligado ao MST.
Eraldo Lima Costa e Silva - líder do MST no Recife
Valdenir Juventino Izidoro - líder camponês de Rondônia
Luís César Santiago da Silva – líder sindical do Ceará
Waldomiro Costa Pereira -líder do MST no Pará
João Natalício Xukuru-Kariri- líder indígena em Alagoas
Almir Silva dos Santos - líder comunitário no Maranhão
José Bernardo da Silva- líder do MST em Pernambuco
José Conceição Pereira - líder comunitário no Maranhão
Edmilson Alves da Silva - líder comunitário em Alagoas
Nilce de Souza Magalhães - líder comunitária e membro do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) em Rondônia
Simeão Vilhalva Cristiano Navarro - líder indígena do Mato Grosso
Paulo Sérgio Santos - líder quilombola na Bahia
Estes são apenas alguns nomes, cujos crimes continuam na sua esmagadora maioria, impunes.