Ser quilombola não é coisa do passado. Uma das questões mais atuais da resistência dessas comunidades é a luta pelo território. No Brasil, o número de quilombos titulados é baixo. Quilombolas enfrentam ameaças do agronegócio, da especulação imobiliária e do próprio poder público. Para piorar, para o orçamento de 2018, governo não eleito propõe corte de recursos na área.
Quem são
No dia 20 de Novembro, celebra-se a consciência negra no Brasil. Na mesma data, há 322 anos, foi assassinado Zumbi, líder da resistência no Quilombo dos Palmares. A luta quilombola não acabou nessa época, mas, para muitas pessoas, os quilombos são vistos como coisa do passado.
Em termos jurídicos, quilombolas são reconhecidos como grupos com trajetória histórica própria e relação com a ancestralidade negra. “Ser quilombola, hoje, é a gente ter nas nossas comunidades, que são terras herdadas dos antepassados, o pertencimento, o modo de vida, o uso coletivo dos espaços, a coletividade na cultura, educação, saúde, alimentação. O nosso modo de viver é diferenciado das demais populações”, afirma a quilombola Sandra Maria da Silva Andrade, do quilombo de Carrapato de Tabatinga, em Bom Despacho, e integrante da N’Golo Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais.
Território
O território é uma das condições mais importantes para a sobrevivência do grupo. “É a base de tudo, o espaço que a gente usa para as práticas religiosas, nossas festas. Temos o cemitério dentro das comunidades, onde estão enterrados nossos ancestrais. Sem a terra, não precisamos viver”, explica Sandra.
O direito que os quilombolas têm às suas terras foi reconhecido no artigo 68 da Constituição de 1988. A identificação, reconhecimento, demarcação e titulação tem como base um decreto assinado pelo ex-presidente Lula em 20 de novembro de 2003. Com a titulação, a comunidade recebe um documento afirmando que aquela terra não pode ser dividida, vendida, loteada, arrendada ou penhorada.
Levantamento da Comissão Pró-Índio de São Paulo aponta que, no Brasil, existem mais de 3 mil comunidades quilombolas e pelo menos 1674 processos de titulação de terras. Até hoje, porém, apenas 169 territórios foram titulados, contemplando 259 comunidades e cerca de 16 mil famílias.
Já em Minas Gerais, de acordo com o Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva, existem mais de 500 comunidades quilombolas. Há 229 processos de titulação no estado, mas apenas a comunidade de Porto Coris, no Vale do Jequitinhonha, chegou a receber o título. Contudo, em 2004, o quilombo foi inundado pela barragem hidrelétrica de Irapé.
Sandra acredita que, entre os motivos para um rendimento tão baixo na política de titulação, estão a lentidão dos processos e a falta de dinheiro no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), responsável pela execução da política. De fato, na proposta apresentada pelo golpista Temer (PMDB) para o orçamento de 2018, há um corte de 62,5% nos recursos para reconhecimento e indenização de territórios quilombolas.
Já Miriam Aprigio, do Quilombo dos Luízes, em Belo Horizonte, lembra que há um conflito histórico pela terra no Brasil, tanto no meio rural quanto urbano, que interfere, em particular, na luta quilombola. “Território envolve capital. Há uma secular disputa territorial, dos ganhos financeiros dos detentores do agronegócio e, no meio urbano, da especulação imobiliária, que nos afeta diretamente. É desconsiderado o nosso histórico, a nossa tradição nesses lugares da cultura viva, pois o capitalismo fala mais alto. Não há outra questão que interfira tão diretamente quanto esta”, avalia a quilombola.
Um quilombo ameaçado na capital mineira
Um exemplo de perda de território está no próprio quilombo onde Miriam vive, no bairro Grajaú, região oeste de Belo Horizonte. Surgido 1895, antes mesmo da fundação da cidade, o Quilombo dos Luízes convive há décadas com ameaças de invasores, sobretudo empresários e o próprio poder público municipal. Desde 1966, quando sua terra foi cortada pela abertura de uma grande avenida (a Silva Lobo), a comunidade vê seu território diminuir, passando dos 18 mil metros quadrados iniciais para menos de 6 mil metros quadrados, atualmente.
Em julho, parte da área que, segundo o Incra, deveria ser garantida aos Luízes, foi invadida por um grupo armado, a mando de uma pessoa que se diz proprietária do local. Desde então, moradores enfrentam tentativas de criminalização por parte da polícia.
Fonte: Brasil de Fato