Nov 27, 2024

Mesmo sob constantes ameaças, Petrobrás se movimenta

Nossa estatal enfrenta grave crise financeira. Houve queda dos preços do petróleo, variação cambial, venda de combustíveis abaixo dos preços internacionais e corrupção. Sua dívida, de R$100 bilhões no final de 2011, ultrapassou os R$500 bilhões ao terminar 2015. E seu valor de mercado, que chegara em 2008 a R$530 bilhões, despencou para R$100 bilhões.

Contudo, os fundamentos da empresa continuam sólidos. Só no pré-sal tem 40 bilhões de barris de óleo contratados, quase o dobro do que tem no mundo a ExxonMobil. De todo modo, vieram um novo plano de negócios e desinvestimentos.

O novo plano é taxativo na retirada "integral" da companhia da produção de biocombustíveis, distribuição do gás de cozinha, fertilizantes e petroquímica. Prevê a venda de dutos, de campos produtores, de refinarias, de parte da BR Distribuidora. Planeja investimentos de US$74 bilhões para os anos de 2017-2021, 82% em exploração e produção (E&P), 17% em refino e gás natural e, para os demais setores, 1%.

O foco em E&P é consensual, mas o afastamento radical de outros setores, não. Enfraquecerá a verticalização da empresa, levando-a a parecer uma grande "independente", que ganha pelo que produz na boca do poço. Se a verticalização fica tópica e inexpressiva, a sua defesa, feita pelo presidente da empresa, fica formal. Sair integralmente da petroquímica, por exemplo, é abrir mão do setor que mais representa o futuro do petróleo.

Ademais, mesmo em E&P, há problemas. A venda de Carcará é injustificável, não pelo preço, discutível, (US$2,5 bilhões), mas pela razão, indiscutível, de ser um campo no pré-sal onde a Petrobrás já era operadora.

Isto nos remete à recente polêmica sobre "a Petrobrás como operadora única do pré-sal". Este objetivo, assim posto, nunca existiu.

O polígono do pré-sal surgiu com a Lei da Partilha, em dezembro de 2010. Na época, cerca de 40% de todo o pré-sal já estava contratado, com a Petrobrás, a maior parte, e com algumas estrangeiras. A Anadarko, petroleira norte-americana, operava e descobriu petróleo no BM-C-30, em 2008. A Britsh Petroleum também lá operava, assim como a RepsolSinopec e a Shell. Na zona central do pré-sal, a ampla maioria dos campos é operada pela Petrobrás, mas aí a ExxonMobil em 2009, operava no BM-S-22. Tudo sob concessão.

O que a Lei da Partilha estabelecia é que a Petrobrás seria operadora única nos novos contratos de partilha, a serem celebrados nos 60% restantes do pré-sal. Isto foi feito para reforçar a estatal. Seu caixa podia arcar com os 30% mínimos dos custos para ser operadora, e o petróleo, com elevada cotação, gerava grandes lucros. Mas tudo mudou. E o pré-sal, descoberto há dez anos, só viu até hoje um leilão e um único contrato de partilha firmado, o de Libra, que ainda não produz.

É quando começa a tramitar no Senado o PLS 131/15, do senador José Serra, propondo o fim da obrigatoriedade da Petrobrás ser operadora nos novos contratos do pré-sal. O projeto tinha um problema grave, deixava a Petrobrás fora de tudo, como uma multinacional qualquer, sem nenhuma regalia por ser brasileira, no pré-sal brasileiro, por ela descoberto.

Nos debates, essa distorção foi rejeitada e surgiu a idéia da "operadora preferencial". A Petrobrás, longe de ficar fora de tudo, passava a poder escolher o bloco onde tinha interesse em operar. Era outro projeto. E é este que está sendo aprovado no Congresso.

Paralelamente, ali tramitam proposições para abolir a partilha da produção. E aí as coisas se complicam.

Na partilha, o óleo extraído por um consórcio é propriedade da União, diferentemente da concessão. O consórcio é administrado, qualquer que seja o operador, por um "Comitê Operacional" (art. 22 Lei 12.351), que define os planos de produção, de trabalho, de investimento e tudo que tem importância. Metade dos integrantes desse Comitê, seu Presidente – com voto de minerva e poder de veto – são indicados pela empresa Pré-sal Petróleo S.A. (PPSA), 100% estatal. Por isso, o pré-sal está sob controle.

A ameaça de desindustrialização, decorrente da produção excessiva de um único produto, conhecida como "doença holandesa", poderia ser evitada.

Abolindo a partilha da produção, perderíamos o controle do pré-sal. Outras questões também se colocam.

A política de conteúdo local no setor petrolífero não é de nenhuma empresa, mas do Governo. As obrigações quanto a esse conteúdo são detalhadas nos contratos da ANP e por ela fiscalizadas. As empresas, inclusive a Petrobrás, com freqüência preferem pagar multas do que comprar bens ou serviços locais, por razões que merecem mais linhas para outra análise.

Nos desinvestimentos previstos, cogita-se a venda de campos de produção. Ao que se sabe, são campos secundários, vários marginais.

Pelo interesse nacional, a Petrobrás precisaria se engajar numa política de vincular desinvestimentos a investimentos, o que seria bom para ela e melhor para o Brasil. Campos em declínio, mas ainda com boas reservas, por exemplo, na Bacia de Campos, seriam vendidos a brasileiros interessados em investir para revitalizá-los, o que a Petrobrás não pode fazer por causa do pré-sal.

Alavancaríamos empresas nacionais "independentes" de petróleo, de pequeno ou médio porte, que não têm tido apoio no Brasil.

Por fim, o Relatório de Administração da Petrobrás, de 31 de dezembro de 2015, mostra a composição do seu Capital Social. A nossa estatal continua com 51,3% de seu capital privado, dos quais 36% estrangeiro. A parte estatal é de 48,7%, dos quais a União tem 28,7%. A norueguesa Statoil, que comprou Carcará, é 67% estatal. Quando foi descoberto o pré-sal, a Petrobras era 39% estatal. Pela cessão onerosa, saltamos para os 48,7% atuais. Vai ficar só nisso?

* Haroldo Lima é engenheiro e foi diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis

 

VIA Rede Brasil Atual

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