A reforma política, a julgar pelos sinais, entrou definitivamente na agenda.
Depois que os movimentos sociais, com forte participação da CUT, realizaram com sucesso o Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva pela Reforma Política – que colheu 7,5 milhões de votos – , respaldando proposta da presidenta Dilma, o tema rompeu o silêncio da mídia e virou assunto até para quem se declarara inimigo da ideia.
Isto, porém, não é necessariamente bom. Muita gente pode estar pegando carona no tema sem ter como objetivo uma mudança que verdadeiramente amplie e consolide a democracia e que acabe com estruturas de poder viciadas, privilégios e exclusão social.
Para tentar ajudar a entender melhor o que está em jogo e explicitar o tipo de transformação que a CUT e os movimentos sociais defendem, damos início a uma série de reportagens sobre a reforma política e seus diferentes contornos.
De todos os aspectos que compõem o debate sobre a reforma política, talvez o que mais se aproxime de uma definição seja o fim do financiamento das campanhas eleitorais por parte de empresas e bancos.
Em função da conjuntura, quem defende a manutenção dessa forma de financiamento atual tem procurado se manter, ao menos por enquanto, distante dos microfones.
No Supremo Tribunal Federal, corre uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) que pretende proibir essas doações. A ação, proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), já recebeu seis votos favoráveis, de um total de 11 ministros. O julgamento está parado desde abril por conta de um pedido do ministro Gilmar Mendes, mas, pelo placar, o financiamento empresarial de campanhas está condenado.
Resta saber o que ficará no lugar caso o financiamento de pessoas jurídicas acabe. A CUT, o PT e a maior parte dos movimentos sociais defendem o financiamento público de campanha. Nessa direção, há algumas propostas já elaboradas.
No Senado Federal, uma comissão especial sobre o tema elaborou um projeto de lei que estabelece financiamento exclusivamente público de campanhas. Essa comissão foi criada em 2011, após a primeira eleição de Dilma, que havia defendido a reforma política durante sua campanha.
Redução drástica de custos
Pelo projeto que tramita no Senado (o PLS 268/14), o orçamento público repassaria ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma soma de dinheiro correspondente a R$ 7,00 por cada eleitor devidamente cadastrado. Estes R$ 7,00 foram estipulados, diz o projeto, em “valor de janeiro de 2011”.
Caso a regra estivesse em vigor nas últimas eleições, o financiamento público exclusivo das campanhas teria totalizado R$ 101 milhões e 500 mil (sem contar a inflação). No entanto, segundo o TSE, só os gastos contabilizados de campanha para deputados e senadores ultrapassaram R$ 1 bilhão em 2014, somadas aí as doações de empresas e bancos – sem contar o suprapartidário caixa 2.
Fundo Partidário é outra coisa
É importante não confundir com o Fundo Partidário, criado por uma lei de 1995, sancionada pelo ex-presidente FHC. O Fundo sustenta as atividades regulares dos partidos, porém não as eleições. Segundo a lei que o criou, o objetivo é propiciar autonomia financeira às legendas. Os dados mais recentes sobre o Fundo divulgados pelo TSE referem-se a 2012, quando um total de R$ 350 milhões foi repassado aos partidos. Na ocasião, o maior repasse foi para o PT, R$ 53 milhões, e o menor, para o PEN (Partido Ecológico Nacional), R$ 343 mil.
O Fundo abastece os partidos anualmente com recursos do Orçamento da União. Esse dinheiro é distribuído de acordo com os seguintes critérios: 5% do total divididos por igual entre as 27 legendas, e os 95% restantes de acordo com o tamanho da bancada que cada uma tem no Congresso.
Há veículos de comunicação afirmando que a existência do fundo dispensaria a criação de uma fonte de financiamento público de campanhas. “Essa é uma confusão deliberada que estão fazendo”, adverte o filósofo e historiador José Antonio Moroni, da Plataforma pela Reforma do Sistema Político e do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).
Nesse cenário proposto, o custo das campanhas cairia brutalmente. Como consequência, o poder dos empresários de todos os setores sobre os eleitos e sobre os partidos diminuiria de igual forma. As milionárias ações de marketing sairiam de cena. As candidaturas se veriam obrigadas a fazer debate político mais aprofundado e próximo da vida real dos eleitores.
Doações de pessoas físicas?
Outra proposta de mudança da forma de financiamento vem da OAB. A diferença em relação ao projeto do Senado é a aceitação de doações de pessoas físicas para os partidos. O cidadão ou cidadã poderia depositar até R$ 700 para a legenda de sua preferência. E a soma dessas doações privadas não poderá ultrapassar 40% das verbas públicas disponíveis para as eleições do ano em questão.
“É o que chamamos de financiamento democrático de campanha”, explica Aldo Arantes, da Comissão Especial de Mobilização para a Reforma Política da OAB. “Com essa mudança, acabamos com o problema mais grave, que mais degrada o sistema eleitoral e político, que é o financiamento feito por empresas. Esse é o principal canal de corrupção e de caixa 2”, diz.
Segundo Arantes, ao prever a possibilidade de doações individuais, a OAB acredita que a proposta fica mais palatável à opinião pública, mais simples de entender. “Muitos se assustam com a ideia de financiamento público por acreditar, erroneamente em minha opinião, que isso vai drenar recursos de outras áreas essenciais”, explica o advogado.
Quem vai pagar a conta?
Assim como Arantes, o dirigente executivo da CUT Julio Turra não acredita que o financiamento público de campanhas vá punir o contribuinte. “Em primeiro lugar, as campanhas não terão mais os custos milionários de hoje em dia. Haverá limite de gastos. O eleitor deve lembrar que a gente já paga pelas eleições, pois os programas partidários de TV são financiados pelo Estado. E do jeito como está, o eleitor paga muito mais ainda depois das eleições, pois os grandes conglomerados que deram dinheiro aos candidatos sempre cobram a fatura”, diz.
“Já pagamos por isso, e da pior forma possível”, completa Moroni. “Não há transparência, e é fonte de corrupção. Não é à toa que as empresas que mais dão dinheiro para candidatos são aquelas que têm contratos com os governos, como as empreiteiras, ou aquelas que mais dependem de ações governamentais para aumentar seus lucros, que é o caso dos bancos. Depois, as empreiteiras embutem as doações nos preços dos contratos das obras, e os bancos aumentam seus juros. Quem paga essa conta somos nós”, argumenta.
A conta não para por aí. “Caixa 2 o que é? É dinheiro de sonegação e de corrupção, é dinheiro público. Quem paga somos nós”, conclui Moroni. Com o fim do financiamento de campanhas por parte de empresas e bancos, o contribuinte vai gastar bem menos e o Estado terá mais dinheiro para escolas, hospitais e outras prioridades.
Estariam os partidos prontos para mudança de tal monta? A redução drástica do dinheiro disponível para campanhas vai exigir alterações no próprio processo eleitoral. Há propostas como o voto em lista e até mesmo de eleições em dois turnos para deputados e senadores. Mas esse tema fica para a próxima reportagem.
Entulho
Enquanto isso, corre na Câmara dos Deputados um projeto do deputado (não-reeleito) Cândido Vacarezza que pretende tornar constitucional as doações de empresas e bancos. Vai exatamente na direção contrária ao que reivindicam os movimentos sociais. Na opinião de Aldo Arantes, da OAB, o ministro Gilmar Mendes, do STF, paralisou o julgamento da ação que acaba com as doações empresariais justamente por acreditar que o projeto de Vacarezza possa ser aprovado antes. Por isso, a OAB lidera o movimento “Devolve, Gilmar”.
CUT