Nov 24, 2024
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Alckmin aprova repressão em manifestação contra aumento das tarifas de ônibus em São Paulo

A Polícia Militar de São Paulo obedeceu às ordens do governador Geraldo Alckmin (PSDB) de endurecer a repressão contra os manifestantes contrários ao aumento da tarifa de transporte público em São Paulo. O ato dessa quinta-feira (13), com concentração no Teatro Municipal, na região central, sequer havia começado quando ao menos 40 pessoas foram detidas e levadas para o 78º Distrito Policial, nos Jardins, na zona sul. Menos de quatro horas mais tarde, ao menos 180 foram levados à mesma delegacia, onde não foi permitida a entrada de jornalistas – cerca de 40 foram liberados após "averiguações". Não houve qualquer declaração oficial da delegada titular do DP nem dos outros quatro delegados deslocados ao local para auxiliar na força-tarefa repressiva.

As intenções da PM já ficaram claras quando foi montado uma espécie de centro de triagem na Praça do Patriarca, do outro lado do Viaduto do Chá, com vans para transportar os manifestantes. As pessoas eram levadas para lá e qualquer possibilidade de suspeita resultou em encaminhamento à delegacia. Entre os detidos de primeira hora, havia um repórter da revista Carta Capital, preso por carregar consigo uma garrafinha com vinagre – substância que alivia os efeitos do gás lacrimogêneo.

Em nota, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) informou que ao jornalista foi negado o direito de saber para onde estava sendo levado. "A Abraji pede que Piero Locatelli seja posto em liberdade para que possa seguir cobrindo a manifestação e lamenta que a polícia novamente impeça o trabalho da imprensa", diz o comunicado. Por volta de 19h ele foi liberado.

Os defensores públicos que tentaram entrar em diálogo com a PM também foram hostilizados. Segundo a defensora Daniela Skromov, os policiais se recusaram a dar a identidade dos detidos e a explicar os motivos pelos quais as pessoas estavam sendo levadas à delegacia.

Apesar das limitações iniciais, milhares de pessoas conseguiram chegar à concentração e, às 18h30, o protesto começou seu trajeto, que foi curto. A marcha deixou o Teatro Municipal pelo calçadão da Rua Barão de Itapetininga e chegou à Praça da República. Dali partiu em direção à Rua da Consolação. Ao chegar no cruzamento desta com a Rua Maria Antônia, um bloqueio de motocicletas da PM impediu a passagem das cerca de 15 mil pessoas que caminhavam pacificamente contra o reajuste da tarifa – que no último dia 2 passou de R$ 3 para R$ 3,20.

Não havia outro itinerário possível que não fosse subir a Rua da Consolação em direção à Avenida Paulista. Ainda assim, a Polícia Militar insistia que os manifestantes dessem marcha a ré e finalizassem o protesto ali mesmo, na Praça Roosevelt, menos de meia hora depois de iniciado. O grupo permaneceu parado por um bom tempo esperando o resultado da negociação entre membros do Movimento Passe Livre (MPL), que convocou a manifestação, e o comando do operativo policial. Foi quando a Tropa de Choque apareceu pelas ruas laterais e encurralou a linha de frente da passeata, lançando bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo para dispersar a multidão.

A partir de então, os policiais começaram o festival de atrocidades que as milhares de fotografias publicadas na internet durante a jornada de abusos contam melhor que qualquer relato verbal. O advogado Bruno Martins Morais, um dos profissionais do Direito que têm prestado assistência aos manifestantes detidos nos últimos dias, informou à RBA que o Passe Livre registrou boletim de ocorrência contra a polícia pela violência empregada desta noite. "Completamente ridículo", disse, ao sair do 78º DP, sobre as prisões de cidadãos que foram detidos e levados à delegacia por um curioso “crime” recém-criado pelas forças de segurança paulistas: porte de vinagre. Também houve gente presa por levar sprays dentro da mochila e até mesmo por tocar tamborim.

Autoridades

Na véspera da repressão, o Ministério Público Estadual realizou uma tentativa de mediação com a prefeitura e o governo estadual. A proposta do promotor de Habitação e Urbanismo, Maurício Ribeiro Lopes, era paralisar durante 45 dias o aumento para realizar uma discussão pública a respeito. Mas as gestões de Fernando Haddad (PT), prefeito de São Paulo, e Geraldo Alckmin (PSDB), governador do estado, recusaram esta possibilidade. Haddad reiterou, em coletiva de imprensa na sede da prefeitura, que o reajuste não será revisto. “Vou repetir para deixar bastante claro: não pretendo, porque o esforço que foi feito ao longo do ano para que o reajuste da tarifa fosse muito abaixo da inflação foi enorme. E ele (aumento) vai significar investir mais de R$ 600 milhões em subsídios.”

O prefeito disse que é legítima a manifestação, mas que a cidade repudia a violência. "São Paulo está acostumada às manifestações. O que a cidade não aceita é a forma violenta de se manifestar e se expressar. Com isso não compactuamos”, afirmou Haddad, fazendo questão de ignorar o fato indiscutível de que os atos de vandalismo durante o protesto são obra de um grupo ínfimo de manifestantes que de nenhuma maneira representa a causa e nem mesmo o conjunto da passeata. “A renúncia à violência é o pressuposto de diálogo.”

Haddad disse que os compromissos firmados em campanha estão sendo cumpridos – tais como o reajuste abaixo da inflação, o Bilhete Único Mensal e os corredores e faixas exclusivas de ônibus. Ele disse que no início das manifestações “deixou as portas abertas para o diálogo, que foi recusado por parte dos manifestantes”. O prefeito ignorou, porém, o pedido de audiência protocolado pelo MPL na última terça-feira (11) para discutir o cancelamento do reajuste. Por sua vez, Alckmin disse pelo Twitter que depredação, violência e obstrução e vias públicas não são aceitáveis. "O governo de São Paulo não vai tolerar vandalismo. O direito à livre manifestação é um princípio basilar da democracia. Assim como o direito de ir e vir e a preservação do patrimônio público."

Outro que tentou desvirtuar a natureza da manifestação foi o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que pediu à Polícia Federal que acompanhasse os protestos desta quinta-feira em São Paulo, que considera violentos. “Eu pedi para a Polícia Federal acompanhar. Eventuais crimes e atos ilícitos que ocorram, em princípio, são da órbita da polícia estadual para apurar, para investigar. O governo federal está à disposição do governo paulista e de qualquer outro estado em que isso aconteça para apoiar naquilo que for solicitado”, disse. “É lamentável que ainda restem pessoas que não consigam perceber que em um Estado de Direito é legítimo que as pessoas expressem sua opinião, mas não é legítimo que pratiquem atos de violência, atos de vandalismo.”

O ativista político Plinio de Arruda Sampaio, quarto colocado na disputa presidencial de 2010 pelo Psol, esteve presente na manifestação desta quinta-feira. E declarou todo seu apoio ao movimento. "Isso é uma beleza, uma coisa excelente, sinal de politização. Se isso acontecesse mais vezes o país seria outro, totalmente diferente, mais justo e mais correto”, disse o ex-deputado, de 82 anos. “Queria até fazer um apelo ao governador para ele segurar essa polícia dele. Não tem por que reprimir. O vandalismo é de um pequeno grupo que não tem legitimidade. O grosso dos manifestantes está protestando pacificamente, a manifestação é um direito cidadão."

Agressões

No início da noite, a repórter Giuliana Vallone, da TV Folha, foi atingida no olho por uma bala de borracha disparada por policiais militares das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), tropa de elite da PM paulista. A repórter Gisele Brito, da RBA, que cobria a repressão policial na Avenida Paulista, também foi agredida por cassetetes na nuca, no braço e no rosto. O repórter Fábio Braga, outro profissional da Folha, foi atingido no rosto por disparos de bala de borracha no centro da cidade. Repórteres de O Estado de São Paulo foram agredidos pela Rota. Assim como os manifestantes, uma série de profissionais da imprensa sofreu nas mãos da truculência da polícia.

Por volta das 21h30, o vereador Ricardo Young (PPS) esteve no 78º DP para acompanhar a situação dos manifestantes detidos. O parlamentar contou aos jornalistas que estavam aglomerados do lado de fora da delegacia que os jovens estavam muito assustados, mas que a polícia os mantêm sob custódia apenas para fazer averiguações. "Só oito ou nove levavam material danoso na mochila", disse. "O processo de prisão foi bastante violento. Houve abuso no uso de gás lacrimogêneo, muitos manifestantes foram acuados e agredidos. Está claro que estavam na manifestação pela manifestação, não para praticar atos de violência.”

Questionado pela RBA sobre a origem desse uso desproporcional da força, Young disse que esta pergunta deve ser feita a Alckmin e a Haddad. "O aparato utilizado pela polícia foi desproporcional para a natureza da manifestação. A PM tem condição de identificar quem é vândalo e quem não é”, explicou. “Todo ato de violência é antidemocrático. Considerando que a polícia tem monopólio do uso da força, ela tem o dever de ser mais cuidadosa.”

Mais tarde, o também vereador Nabil Bonduki (PT) passou pelo DP e informou que os delegados liberariam a maior parte dos manifestantes. Ele demonstrou preocupação pelo fato de a repressão ter sido iniciada antes mesmo de a passeata começar. "Isso é grave porque significa que a polícia reprimiu o direito de reunião e encontro, que é garantido pela Constituição. A PM, ao prender pessoas antecipadamente, atiçou uma reação. Foi um equívoco", classificou, defendendo em seguida a posição de Haddad. “É uma reivindicação justa, embora difícil de ser garantida. A prefeitura já subsidia em R$ 1,2 bilhão por ano o transporte público na cidade. Se não subisse esses vinte centavos, o subsídio subiria para R$ 1,8 bilhão. Tudo está subindo, não é só o ônibus. Não vejo lógica em a prefeitura ter de sustentar essa inflação quando na realidade é importante investir no sistema de transportes."

Também presente no 78º DP, o deputado estadual Carlos Giannazi (Psol) lamentou a violência e disse que vai protocolar um requerimento cobrando a Secretaria de Segurança Pública e a Polícia Militar pelos excessos cometidos. "Foi uma repressão desnecessária. Estão criminalizando um movimento social mais uma vez. Isso tem sido parte de toda a história do país. Infelizmente o Brasil tem essa tradição", recordou, ressaltando as origens políticas da repressão. "É um movimento que está incomodando muito o governo, inclusive ferindo sua imagem internacionalmente. Por isso, o governador quer sufocar o movimento. Contudo, quanto mais o movimento é reprimido, mais ele cresce. É um movimento diferente, mais horizontal. Apesar de termos partidos participando, eles são apenas parte. Não há líderes."

Outras prisões

No ato de terça-feira (11), de 19 manifestantes que foram detidos, 13 continuam presos. Isso apesar de o MPL ter pago a fiança de dois deles – acusados de dano, desacato e lesão corporal – no valor de R$ 3 mil cada. Segundo Douglas Belome, militante do MPL que monitora a situação dos detidos, os manifestantes cuja fiança já foi paga foram levados para o presídio do Tremembé, em Taubaté (SP), na manhã de hoje, mesmo após o alvará de soltura já ter sido emitido pela justiça. Outros dois também estão lá.

A única menina entre os 13 detidos foi transferida para o presídio de Franco da Rocha. Os outros dez manifestantes, que respondem por formação de quadrilha, permanecem, segundo Belome, no 2ª Distrito Policial, no bairro do Bom Retiro. “Na delegacia, o que houve foi um leilão de boletins de ocorrência”, avalia o jovem ao falar das acusações impetradas aos colegas. “Pegaram os quebra-quebras e imputaram deliberadamente a essas pessoas. As que foram presas caíram de paraquedas. Depois de dispersarem a manifestação, foram atrás de gente para prender.”

Rede Brasil Atual

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