Juvencídio (jovemcídio) é uma categoria criado por José Manuel Valenzuela e que representa o assassinato amplo e impune de jovens portadores de identidades desacreditadas. O conceito busca ir além de uma simples comprovação do maior índice de mortes violentas neste segmento da sociedade, explorando a fundo as dinâmicas de estigmatização, criminalização e aniquilação construídas em torno do sujeito jovem.
Na Constituição brasileira (Art. 227) está expresso que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
No Estatuto da Juventude, Lei nº 12.852/2013, no capítulo “Dos Direitos dos Jovens” estão assegurados os direitos à Cidadania, à Participação Social e Política e à Representação Juvenil; à Educação; à Profissionalização, ao Trabalho e à Renda; à Diversidade e à Igualdade; à Saúde; à Cultura; Direito à Comunicação e à Liberdade de Expressão; ao Desporto e ao Lazer; ao Território e à Mobilidade; à Sustentabilidade e ao Meio Ambiente e direito à Segurança Pública e ao Acesso à Justiça.
No momento em que o Brasil passa pela oportunidade da “Onda Jovem” – 50 milhões de jovens entre 2003 e 2022 –, com estabilidade da população jovem ao longo de 20 anos, mais que demonstrar, queremos denunciar a negação de direitos elencados acima e negados à juventude brasileira, especialmente os direitos à educação, à segurança pública e ao acesso à justiça e à vida.
No ensino médio (EM), com 7.930.384 matrículas, apenas 68% da população jovem frequentam a escola e 82% dos jovens que concluem o ensino médio não acessam a universidade (Censo Inep 2017). O abandono e a evasão escolar, especialmente no primeiro ano, são muito elevados. O Brasil tem 1,7 milhão de pessoas entre 15 a 17 anos fora do ensino médio e, somente 64% dos jovens entre 25 a 29 anos completaram esta etapa. Na média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), esta proporção chega a 85% e em Portugal são 97%.
Considerando apenas estes dados oficiais fica evidenciado que o art. 205 da Constituição Federal, bem como art. 2º da Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBen), que definem que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, estão sendo negligenciados e negados aos jovens brasileiros. O congelamento de investimentos em educação pelos próximos 20 anos (PEC 95), a redução dos investimentos em programas de financiamento estudantil e a estagnação do PNE 2014-2024 condenam a maioria da “onda jovem” brasileira à ignorância, a alienação e a manipulação fácil.
Por falta de segurança e justiça o Brasil mata seu futuro a bala. Desde 2014 ultrapassamos os 60 mil homicídios por ano, sendo a grande maioria crianças, adolescentes e jovens. A cada 24 horas, 29 crianças e adolescentes entre 1 e 19 anos de idade são assassinadas no Brasil, uma sala de aula inteira morta por dia. A grande maioria das vítimas é negra. E o mais assustador é que no período de 1980 a 2013 este número cresceu 475%, e segue em tendência de alta. Comparado com outros 85 países, o Brasil fica em 3º lugar no ranking de homicídios de crianças e adolescentes, atrás apenas de México e El Salvador, nações que enfrentam sérios problemas de disputa de gangues e cartéis de drogas (El País, 30/06/2016).
O Atlas da Violência de 2018 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) evidencia que o direito à vida e a segurança pública no Brasil estão, como a educação, negligenciados e negados, causando um verdadeiro genocídio da juventude brasileira. Em 2016, o Brasil alcançou a marca histórica de 62.517 homicídios. Isso equivale a uma taxa de 30,3 mortes para cada 100 mil habitantes, que corresponde a 30 vezes a taxa da Europa. Apenas nos últimos dez anos, 553 mil pessoas perderam suas vidas devido à violência intencional no Brasil.
Segundo o próprio Ipea, quando analisamos a violência letal contra jovens, verificamos, sem surpresa, uma situação ainda mais grave e que se acentuou no último ano: os homicídios respondem por 56,5% da causa de óbito de homens entre 15 a 19 anos. Entre os jovens, há uma desigualdade das mortes violentas por raça/cor, que veio se acentuando nos últimos dez anos, quando a taxa de homicídios de indivíduos não negros diminuiu 6,8%, a taxa de vitimização da população negra aumentou 23,1%. Assim, em 2016, enquanto se observou uma taxa de homicídio para a população negra de 40,2, o mesmo indicador para o resto da população foi de 16, o que implica dizer que 71,5% das pessoas que são assassinadas a cada ano no país são pretas ou pardas.
O Brasil mata e mata muito. Entre 2001 e 2015 houve 786.870 homicídios, sendo a enorme maioria (70%) causados por arma de fogo contra jovens negros. Estes dados comparados com conflitos internacionais são mais graves. No conflito sírio, morreram 330.000 pessoas desde 2011. Na guerra do Iraque, desde 2003, foram 268.000 mortes. Portanto, o Brasil, com 210 milhões de habitantes, é o país que mais mata no século XXI.
Se agregarmos as mortes por suicídio – quarta causa de mortes de jovens no Brasil -, e os acidentes de trânsito, que representam a principal causa de morte entre os jovens de 15 e 29 anos no mundo, o juvenicídio está evidenciado.
Para Valenzuela (2015), estudioso mexicano do tema, o juvenicídio se constitui de diversos fatores que incluem a precarização, pobreza, desigualdade, estigmatização, tendo como eixo central a estratificação social baseada em relações de subalternização. Nesse sentido, o juvenicídio inicia com a precarização da vida dos jovens, a ampliação da sua vulnerabilidade e a diminuição das opções disponíveis para que possam desenvolver seus projetos de vida. O Brasil pratica o juvenicídio porque, além de estar matando os jovens, assassina seus projetos de vida e seus sonhos, reduzindo, por opção política, os investimentos em cultura, educação, ciência, esporte e geração trabalho e renda. A triste consequência, mais de 62% dos jovens desejam deixar o país que se fecha para eles!
Gabriel Grabowski é doutor em educação, assessor de assuntos políticos e institucionais da Feevale. A
Artigo extraído do site Extraclasse, dia 30/07/18