O desdobramento das medidas oficiais planejadas pelo Estado de exceção imposto ao Brasil, desde o ano passado, executou mais dois golpes aos direitos humanos fundamentais sociais previstos na Constituição Federal, na Consolidação das leis do trabalho e em outras leis de defesa e proteção de direitos como os tratados internacionais acolhidos como válidos e vigentes no país.
O primeiro golpe através da lei a Lei nº 13.467/2017, já conhecida como reforma trabalhista, que vai entrar em vigor no dia 13 de novembro próximo, e o segundo através da Portaria nº1129/2017, baixada pelo Ministro do Trabalho Ronaldo Nogueira na semana passada.
As críticas generalizadas contra essas duas iniciativas do atual (des)governo – criadas pelo conluio atualmente a serviço praticamente exclusivo de interesses do capital nos poderes executivo e legislativo – estão reagindo de forma indignada, inclusive entre juristas e representantes do próprio Poder Judiciário.
Alguns marcos desta contrariedade à reforma trabalhista já levaram as suas denúncias de inconstitucionalidade à lei que a implantou. No Rio Grande do Sul, por exemplo, dias 16 e 17 deste outubro, um “Seminário sobre a reforma trabalhista: Aspectos constitucionais”, promovido pelo URBE, (Centro de Estudos da cidade) com a participação do Instituto Novos Paradigmas, ouviu juízas/es, advogadas/os, promotoras/es, líderes sindicais e estudantes sobre os efeitos dessa reforma, seja no quanto ela viola a Constituição, seja no quanto ela esvazia a CLT.
Conforme nota do Instituto Novos Paradigmas, disponível na internet, a doutora Beatriz Renck, presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região foi enfática: “A constituição estabeleceu o pacto social e elevou os direitos trabalhistas à condição de direitos fundamentais sociais. Eles fazem parte da condição de dignidade do cidadão brasileiros e só podem ser suprimidos por uma nova Assembleia Constituinte”
Presente também neste encontro, o ex ministro da Justiça Tarso Genro advertiu: Estas reformas anti-CLT, promovem “modernizações” desumanizadoras das relações de trabalho, logo, não para proteger o produtor-trabalhador, mas para dar livre curso a novas formas de exploração do trabalho dependente. E vão levar mais insegurança para as empresas, que ficarão tentadas a aplicar normas claramente inconstitucionais, que serão alvo de milhares de ações trabalhistas. Esta é a reforma – como toda a reforma sem concertação social – do caos e da desordem jurídica”.
Sobre a Portaria 13.467/2017 do Ministério do Trabalho, que pretendeu definir e tratar do trabalho escravo, as opiniões elevaram ainda mais o tom exaltado das opiniões contrárias. O Estadão de quarta-feira passada (18) noticia que a doutora Raquel Dodge, Procuradora Geral da República, recebeu visita do Ministro do Trabalho, oficializando um pedido de revogação da referida normativa que, segundo a mesma, constitui um “retrocesso à garantia constitucional de proteção à dignidade da pessoa humana”.
Ela fez ver ao Ministro que essa garantia constitucional não se restringe à liberdade de ir e vir, mostrando que a Portaria “volta a um ponto que a legislação superou há vários anos” e, sobre a função da polícia federal relativa à essa prática criminosa de submeter-se alguém à condição de escravo, deve ser a de “na condição de polícia judiciária, instaurar inquéritos, avaliar prisões em flagrante, colher depoimentos que podem garantir a punição deste crime que envergonha a todos”.
O site Dom total de hoje (20), abre manchete oportuna sobre o mesmo crime: “Rede vai ao STF contra portaria que trata de trabalho escravo”. Salienta alguns pontos da ação judicial proposta, onde se lê a denúncia de a dita Portaria ter sido motivada por uma das ‘mais abjetas barganhas’ da história do país, por ter trocando “a impunidade na escravidão pela impunidade na corrupção”. Motivada pela necessidade de o presidente (!?) Michel Temer manter coesa a bancada ruralista presente no Congresso Nacional, a referida portaria visa contar com a dita bancada para votar contra a segunda denúncia lá tramitando contra ele.
Se as leis anteriores, partidas do golpe institucional do ano passado, já tinham pago à dita bancada a dívida do seu apoio incondicional, agora se vê que ela é ainda maior e se estende às/aos trabalhadoras/es que, como escravos, prestam à ela e outras representações do capital entreguista e predatório do Brasil o seu poder de exclusão e de aprofundamento da injustiça social que patrocinam.
Se a doutora Raquel e a Rede não forem ouvidos, isso não vai impedir a organização ético-política dos movimentos populares de resistirem a mais esse desmando típico de um Estado de exceção hipocritamente fazendo-se passar por democrata.
Jacques Távora Alfonsin é Procurador do Estado aposentado, Mestre em Direito pela Unisinos, advogado e assessor jurídico de movimentos populares.