Marcio Pochmann*
A Petrobras, enquanto maior e mais importante empresa brasileira, passa por uma terceira fase de afirmação frente ao conjunto de ataques, questionamentos internos e externos dos seus detratores. O seu enfrentamento requer fundamental e decidida resposta ante a possibilidade do maior comprometimento da Petrobras ao projeto do senador José Serra (PSDB-SP), que a retira da exclusividade nas atividades de exploração do petróleo e encerra a obrigação de participar com pelo menos 30% dos investimentos em todos os consórcios sob o comando do pré-sal.
Recorda-se, antes disso, que a primeira fase de afirmação da Petrobras somente transcorreu na década de 1950, quando de sua criação e início da construção da Refinaria Presidente Bernardes em Cubatão, inaugurada no ano de1955. Resumidamente, 91 anos de separação entre a primeira concessão de exploração do petróleo no Brasil e a efetiva realização pela Petrobras.
Desde a segunda metade da década de 1930, com a publicação do livro "O escândalo do petróleo", de Monteiro Lobato, o tema alcançou centralidade na agenda governamental. A denúncia de que o governo não explorava e nem deixava explorar o combustível no Brasil colocou, à época, o governo na defensiva, exigindo, pela primeira vez, uma atuação mais consistente.
Nesse sentido, o governo Getúlio Vargas (1930-1945) colocou em marcha o percurso que o levou à criação da Petrobras, em 1953. Mas isso significou o cumprimento de uma verdadeira batalha frente à oposição interna e externa que começou a se formar contra a soberania energética nacional.
A Constituição Federal de 1946, por exemplo, que estabelecia a participação do capital estrangeiro nas atividades de exploração mineral, incluindo o petróleo, encontrou repercussão reativa por meio da campanha nacional "o petróleo é nosso" em favor do monopólio estatal do petróleo.
Sob este lema, Getúlio Vargas venceu as eleições presidenciais de 1950, apresentando em 6 de dezembro de 1951, o projeto de lei de criação da Petrobras, mas que foi somente aprovado em 3 de outubro de 1953, o que representou o monopólio estatal da exploração, do refino e do transporte.
A segunda fase de afirmação da Petrobras aconteceu diante de dois grandes choques no preço do petróleo, cujo efeito significativo foi a recessão e elevação do custo de vida no mundo, a chamada estagflação. Como resposta ao grave problema internacional do petróleo, o governo Geisel (1974-1979) implementou o chamado 2º Plano Nacional de Desenvolvimento, que concedeu maior centralidade à Petrobras.
Pelo conjunto dos aportes de recursos públicos ao investimento, a extração nacional de petróleo foi multiplicada por cerca de 10 vezes, pois saltou de 75 mil para 750 mil barris diários. Além disso, a soberana decisão de ampliar o limite marítimo nacional de 20 para 200 milhas abriu, mais à frente, as portas para a exploração atual do petróleo na camada do pré-sal, bem como posicionou o Brasil na vice-liderança de maior construtor naval do mundo.
Esta terceira fase de afirmação da Petrobras decorre do ataque à soberania nacional pelos governos neoliberais desde os anos de 1990, contra o monopólio da exploração do petróleo após 44 anos de existência. A emenda constitucional de 1995 e a lei do petróleo de 1997 reconstituíram o marco legal que viabilizou novamente a presença do setor privado na pesquisa, exploração, extração, refino, exportação e importação e distribuição de petróleo. Na mesma medida, o neoliberalismo favoreceu a importação que desconstituiu a indústria naval brasileira, assim como deixou de inibir a corrupção mediante o afrouxamento legal nos processos licitatórios na Petrobras.
Como resposta nacionalista, a Petrobras ganhou notável impulso nos governos progressistas liderados pelo Partido dos Trabalhadores, ampliando os investimentos, com conteúdo nacional na exploração do petróleo, possibilitando a recuperação da indústria naval. Pela descoberta do petróleo na camada do pré-sal, em 2007, e o início de sua exploração a partir de 2009, o novo marco regulatório foi aprovado, concedendo exclusividade nas atividades de exploração do petróleo e obrigação da Petrobras de participar em pelo menos 30% dos investimentos nos consórcios de exploração na camada no pré-sal, bem como a divisão dos royalties da exploração de petróleo foi aprovada, contendo inédito o fundo de financiamento da educação e saúde.
Barrar a nova tentativa neoliberalizante é tarefa de todos os que defendem a soberania nacional, conforme o próprio Monteiro Lobato nos ensinou ainda na década de 1930.
*Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas. Artigo extraído do site Rede Brasil Atual no dia 11/07/16.