Lucio Costa*
O recente acolhimento do pedido de impedimento da Presidente Dilma Rousseff pelo deputado Eduardo Cunha suscitou curiosidade na população sobre como se desenrolará o processo, assim como provocou manifestações dos principais juristas brasileiros.
A seguir, é trazida uma rápida síntese sobre o processo de impedimento e a opinião de alguns dos mais notórios juristas do País sobre o assunto. Boa leitura.
O RITO DO IMPEDIMENTO
Segundo a Lei 1.079/50, que trata dos crimes de responsabilidade e do processo de Impeachment, agora que foi recebida a denúncia, esta será despachada a uma comissão especial eleita que emitirá parecer sobre se a denúncia deve ser ou não julgada objeto de deliberação.
Este parecer consultivo é encaminhado para votação em discussão única da Câmara de Deputados, onde é necessária a aprovação (em votação nominal) de 342 dos 512 deputados federais para o prosseguimento do processo de Impeachment. A partir disso, o decreto de acusação, a depender do resultado da votação, é recebido no Senado, que conduzirá a segunda etapa sob a presidência do presidente do Supremo Tribunal Federal. Nesse caso o Presidente da República seria suspenso até a sentença final. No Senado, seria necessário o voto de 54 dos 81 senadores para a destituição do cargo e inabilitação por prazo a ser fixado.
AS OPINIÕES DOS JURISTAS
CARLOS AYRES BRITTO
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto afirmou não enxergar motivos que justifiquem o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. "Pelo que foi até agora apurado, acho que não (sobre a existência de motivos que justifiquem o impeachment). [...] A presidente pode até perder o mandato se a Justiça eleitoral der provimento à ação de impugnação de mandato eletivo. Mas isso não é crime de responsabilidade. É crime eleitoral", disse. Para ele, apesar da possibilidade legal do afastamento da presidente sem que haja de fato um motivo concreto, a situação poderia resultar em um quadro de insegurança jurídica para os futuros governantes.
O crime de responsabilidade é muito grave. “Não há que se confundir o crime de responsabilidade com a infração penal comum, com infração de contas ou com crime eleitoral, improbidade administrativa. Crime de responsabilidade é um atentado à Constituição. Pressupõe uma gravidade tal que signifique insulto, uma afronta à Constituição", salienta o jurista.
Britto, que nas últimas eleições prestou serviços na área jurídica à campanha eleitoral do senador Aécio Neves (PSDB-MG) à Presidência da República disse que o impeachment da presidente Dilma sem um motivo real deverá resultar em insegurança jurídica para os próximos governantes. "Segurança jurídica máxima é respeitar a Constituição. Não se pode pular a cerca da Constituição", analisou.
Acesse a entrevista Carlos Ayres Britto a Folha de São Paulo:
DALMO DALLARI
O jurista Dalmo Dallari, um dos nomes mais respeitados do meio jurídico brasileiro, disse estar "surpreso" com a notícia que "acabara de receber" a respeito da abertura do pedido de impeachment.
Dallari diz que continua "absolutamente convencido de que não existe fundamento legal para a propositura doimpeachment" e de que o pedido "não tem a mínima chance de levar ao impedimento da presidente".
"De fato não há consistência jurídica. Eu examinei todas as hipóteses, todos os pareceres e argumentos do pedido deimpeachment. Estou absolutamente convencido de que não existe nada de consistente neste pedido", afirma.
Questionado especificamente sobre as chamadas pedaladas fiscais do governo para fechar suas contas, principal argumento do pedido de impeachment formulado pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr e aceito nesta quarta-feira, Dallari diz não ter identificado crime de responsabilidade fiscal.
"As pedaladas não caracterizam o crime de responsabilidade fiscal porque não houve qualquer prejuízo para o erário. As pedaladas configuram um artifício contábil, mas o dinheiro não sai dos cofres públicos, então não ficam caracterizados os crimes de apropriação indébita ou desvio de recursos", diz.
"Não há nada nas pedaladas ou no pedido de impeachment que identifique uma responsabilidade da figura da presidente da República", complementa o jurista.
Para Dallari, aceitar o pedido de impeachment era "a única e a última carta na manga" do presidente da Câmara dos Deputados.
"Ele está muito pressionado pelo risco de perda de seu próprio mandato, porque há muitos elementos contra ele. Com este artifício ele vai tentar coagir o PT e outros partidos que apoiam a presidente para que deem apoio a ele", diz.
Leia a entrevista com Dallari:
CELSO BANDEIRA DE MELLO
O jurista Celso Bandeira de Mello é professor emérito da PUC-SP e um dos expoentes do Direito brasileiro. “Eu não acho que vai haver impeachment. O que há é o seguinte: você perde em campo, você foi esmagado no campo, então você vai querer ganhar no tapetão se puder. Mas não existe base nenhuma para impeachment. A demonstração disso é que chegou a haver gente que queria responsabilizar [a presidenta] por um mandato anterior. Isso é um absurdo, uma coisa ridícula. Daqui a pouco, se o sujeito for presidente, 10, 20 anos depois, você vai responsabilizar ele pelo mandato anterior?”, questionou o jurista.
Sobre o pedido de impeachment assinado pelo seu colega, o jurista Hélio Bicudo, Celso Antônio Bandeira de Mello informou que sequer leu a peça. “Achei que não valia a pena. Para mim, é evidente que tudo isso é um espernear dos coxinhas. Juridicamente, essas coisas são todas sem sentido. Não é o caso de eu perder meu tempo lendo isso, coisas que, de antemão, você desqualifica”, afirmou, para em seguida ressaltar que admira Bicudo pela coragem que teve ao combater o esquadrão da morte. “Mas daí a imaginar que ele esteja qualificado [para avalizar o impeachment]… Não vi ninguém até agora com qualificação na área do direito público [fazer isso].
Para o jurista, as motivações da oposição em campanha pela derrubada da presidenta são apenas políticas. “É preciso um grande cuidado para não confundir aquilo que é um sentimento político pessoal com aquilo que, na verdade, o Direito estabelece. Há casos em que, se você não consegue fazer por bem, quer fazer por mal. Nessa situação, não pude deixar de pensar em um personagem de Eça de Queiros, que dizia assim: se não vai na palavra, vai na murraça”, compara.
Bandeira de Mello defendeu ainda que um eventual impedimento da presidenta seria “uma catástrofe” para o país. “Seria a demonstração de que não adianta ser eleito. Milhões de pessoas escolhem um presidente, e algumas centenas tiram. Precisa de algo sério demais para acontecer isso. Do contrário, a democracia não vale nada. Tirar a Dilma sob acusações, eu diria, ingênuas seria para democracia algo muito ruim”, destacou.
Acesse a entrevista de Bandeira de Mello a Carta Capital:
http://www.cartacapital.com.br/revista/837/sem-base-para-o-impeachment-9323.html
FÁBIO KONDER COMPARATO
Questionado sobre a aceitação do pedido de impedimento o jurista Fábio Konder Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP), doutor honoris causa da Universidade de Coimbra (Portugal) e doutor em Direito pela Universidade de Paris (França), disse que “de certa maneira já se esperava, porque tudo isso é apenas um confronto entre políticos, no caso o presidente da Câmara e a chefe de Estado. Mas o fundamental e nós tentarmos entender que o impeachment hoje, sobretudo num país como o Brasil, é absolutamente ilegítimo”.
Acesse a entrevista de Fábio Konder Comparato:
http://noticias.r7.com/brasil/comparato-o-impeachment-hoje-e-absolutamente-ilegitimo-04122015
(*) Lucio Costa é assessor jurídico do Sindipetro-RS.