Nov 24, 2024

Taxar o capital e não o trabalho exige debate ideológico

Jacy Afonso de Melo*

 

Dois textos publicados no jornal Valor, na sexta-feira, 31 de julho, me motivaram a resgatar o artigo "Justiça tributária e redução das desigualdades", publicado no Brasil 247 em 26 de janeiro deste ano, quando se iniciava o atual mandato da Presidenta Dilma e principiavam arranjos econômicos que se aplicavam especialmente aos trabalhadores. Na ocasião escrevi sobre a necessidade de efetivamente se realizar um debate nacional sobre a incidência de ações que se refletem na classe média e os menos favorecidos, os efetivamente atingidos pelos ajustes fiscais e pela carga tributária.

Os artigos "Humilhação pedagógica", de José Luís Fiori, e "Jabuticabas tributárias e a desigualdade no Brasil", de Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair, são esclarecedores; indispensáveis e claros mostram como tributação, ajustes econômicos e fiscais, atingem de maneira diferenciada pessoas e países.

As informações utilizadas pelo segundo artigo se referenciam em dados publicados pela Receita Federal do Brasil e que colocam à luz as declarações de Imposto de Renda das pessoas físicas de 2008 a 2014. São ratificações da (não)distribuição de renda e da riqueza no país.

Dados apresentados pelos economistas e pesquisadores do Ipea, Gobetti e Orair, dão conta de que 2/3 da renda do estrato social do topo da pirâmide são isentos de impostos. Ou seja, R$ 196 bilhões não são tributados e, portanto, não contribuem para a melhoria das condições sociais e econômicas do país. Dos declarantes de Imposto de Renda, 0,3% detém 14% da renda total e 23% da riqueza em bens e ativos financeiros. O topo da pirâmide social no Brasil é formado por 71.440 pessoas, com renda mensal maior que 160 salários mínimos.

Para que fique mais clara essa distorção, os dados nos mostram ainda que desses 71.440 cidadãos mega ricos, mais de 51.419 são ainda mais abastados, pois receberam dividendos e declararam, em 2013, uma renda que girou em torno de R$ 4,5 milhões. O imposto pago pelos privilegiados social e economicamente foi de 1,8% de sua própria renda. Esses dados reafirmam que no Brasil, a classe trabalhadora paga mais impostos do que os extremamente ricos.

O debate a ser novamente resgatado é que os brasileiros muito ricos possuem grandes rendimentos livres de imposto de renda. Por quê? A legislação tributária isenta os lucros e dividendos de acionistas. É isso mesmo: aqueles que possuem ações de empresas não pagam impostos sobre os lucros recebidos. E os que trabalham diariamente para fazer com que essas mesmas ações produzam dividendos pagam imposto sobre o seu salário.

Nesse momento em que o ajuste fiscal implementado pelo governo ratifica as desigualdades, retira direitos de trabalhadoras e trabalhadores, aumenta juros, reafirmamos que as medidas que possam aproximar os extremos da pirâmide social brasileira são urgentes e exigem coragem ideológica para se tomar a decisão política de taxar o capital.

Por isso, resgato as medidas sugeridas anteriormente:

1. A taxação deve incidir sobre o capital e não sobre o trabalho. Os rendimentos devem pagar uma alíquota maior e as faixas salariais menores devem ser isentas de qualquer tributação.

2. A correção da tabela do Imposto de Renda significa o resgate da valorização do trabalhador. Em tempos de inflação alta qualquer índice de reajuste conquistado pela classe trabalhadora acaba sendo engolido pelo IR, que precisa se tornar um tributo progressivo e abrangente.

3. São os do topo que devem pagar mais impostos, pois são exatamente estes os beneficiados com o esforço daqueles que trabalham. Portanto, a taxação das grandes fortunas e das heranças precisa ser colocada em prática

4. Jatinhos, helicópteros, iates e barcos de luxo são veículos automotores. Portanto, devem pagar IPVA como quaisquer outros.

5. Também é preciso trazer ao debate a Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira, a CPMF. Esse tipo de imposto garante que as grandes transações financeiras sejam taxadas, auxiliando inclusive no combate à sonegação.

Reafirmamos, então, que a tributação que incida na renda e não na produção e no consumo é fundamental para a retomada do crescimento econômico e a continuidade de um projeto de desenvolvimento para todas e todos. A tributação sobre dividendos, conforme afirmam Gobetti e Orair, ajudaria a reduzir as desigualdades de renda no país e contribuiria muito com o ajuste fiscal, acrescentando cerca de R$ 50 bilhões de receita. Valor muito significativo se comparado à economia realizada com as novas regras de pagamento do salário desemprego, por exemplo.

Além do mais, apenas Brasil e Estônia isentam totalmente os dividendos de tributação.

A afirmação de José Luís Fiori de que "...é também importante que os (países) "não-europeus" aprendam com a história, porque as políticas de austeridade só funcionaram em casos excepcionais, dos países que contaram com desafios ou fatores externos favoráveis, e com um poder político coeso e com enorme capacidade de mobilização ideológica e social dos seus povos", precisa ser sabiamente considerada. Pois afinal, há que se ter coragem para enfrentar efetivamente as disparidades entre ricos e pobres no Brasil.

(*) Jacy Afonso de Melo é secretário de Organização e Política Sindical da CUT.

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