Passadas todas as discussões sobre o o processo do chamado Mensalão, dadas as esperanças de que algumas coisas se esclareçam - já que ficaram evidentes a politização da ação 470 - (nunca se deve esquecer que o relator Joaquim Barbosa marcou o fim do processo para a data das eleições municipais, com a inegável intenção de prejudicar o PT) subsiste uma pergunta que parece berrar, a cada instante, para ser respondida: quanto é mesmo que José Dirceu, José Genoino e João Paulo Cunha levaram cada um, como parte do esquema de apropriação do butim público?
Até agora - a se crer nas conclusões do STF -, tem-se um fato inédito no âmbito da história da criminologia: do chefe da quadrilha, a seus acólitos mais chegados (digamos que José Genoíno e João Paulo Cunha sejam isso), só se tem a retirada de algo em torno de 50 mil por parte da esposa de João Paulo Cunha. Quanto ao que o suposto "chefe da quadrilha" o "facinoroso" José Dirceu roubou, impôs-se todo o mundo uma espécie de conclusão lógica - ele se apropriou de tanto dinheiro que seria especioso esclarecer aos leigos - nós outros - a quantia. Foi um milhão, vinte milhões ou foram todos os setenta milhões que a Visanet passou para o Banco do Brasil? Pelo que restou das invectivas furiosas do Doutor Gilmar Mendes e do relator, Doutor Joaquim Barbosa, José Dirceu arquitetou um crime tão perfeito que não foi possível encontrar nada em suas contas bancárias. Não deixou vestígios, daí a irrelevância de qualquer questionamento. Quanto a José Genoíno, tratar-se-ia de um homem tão solerte que nem ao menos os sinais exteriores de riqueza sobrevieram até agora. Ao que parece, com intenções "evidentemente" desviacionistas, ele continua a morar, com a sua família, numa casa simples do Butantã, bairro de São Paulo. Fica para a inegável inteligência do povo brasileiro a conclusão alcançada pelo ministro Joaquim Barbosa - de que os criminosos do Mensalão são tão esperto, tão falaciosos e cínicos que alcançaram esconder suas riquezas,. - pelo menos da lei como a entende o STF. Há quem alvitre, a propósito, que José Genoíno, conforme a usança deve ter comprado um grande apartamento em Miami. Quem sabe, vizinho ao do ministro Joaquim Barbosa, que já admitiu ter adquirido um imóvel na cidade praiana dos Estados Unidos. Seja como for - e a conclusão não é propriamente a nossa - já que são quadrilheiros do PT, eles gozarão de seus mal feitos, pelo resto de suas vidas, ou seja, quando conseguirem sair detrás das grades. Ficou claro, para o STF, mas principalmente para a grande imprensa e seus cronistas, que, para certos crimes, não são necessárias provas; pelo contrário, é justamente a falta deles, a prova maior de que houve crimes. Como sugeriu o jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, ficam para os incautos - os eternos bobocas que pouco sabem das ciências jurídicas - a idéia algo canhestra, de que é preciso um cadáver para que se configure um crime. Como ele não foi encontrado, cerra-se a convicção dos senhores ministros, e da quase totalidade da imprensa, de que ele existe sim- já que os réus do processo espertamente o esconderam.
São aspectos interessantes, esses da ação 470. Os maiores interessados na apuração do suposto desvio do dinheiro, que a Visanet colocou à disposição de Marcos Valérios através de uma conta no Banco do Brasil, isto é a própria Visanet, e o próprio Banco do Brasil, nenhum dos dois conseguiu apurar, através de suas auditorias internas, o desvio de um tostão sequer. Qual a conclusão? Ao que parece, a pergunta só pode ser formulada por "leigos": eles teimam em desconhecer que aos réus foi dada o ônus da prova. E que eles não lograram convencer a maioria dos juízes do STF de que não são ladrões. A isso deve se juntar a desconfiança da suprema incapacidade da defesa dos réus: eles não conseguiram que o Doutor Joaquim Barbosa, relator do processo, lesse as conclusões das auditorias feitas respectivamente na Visanet e no Banco do Brasil. Vai ver que se trata de pura falta de competência da defesa do réus.
Muita pessoas concluíram que "alguma coisa houve". No tempo da ditadura, era essa a ilação desses mesmos tipos de pessoas: como o sujeito fosse torturado ou preso, ficava sempre "a evidência" ou a desconfiança ( o que dá na mesma) de que "alguma coisa existia". E já que o sujeito não conseguia provar que não era culpado, dê-lhe paus de araras, choques, pontapés e, se fossem mulheres, " otras cositas más".
Há quem se preocupe, contudo, com um fato: a desmoralização possível do Judiciário do Brasil, com o processo todo. Se não ficar comprovado que o possível quadrilheiro José Dirceu não roubou nada - como responder ao futuro sobre essa pergunta que nos atormenta a todos - mas que vem sendo sistematicamente ignorado pelo STF?
Com o sorrizinho melífluo, que o caracteriza, o ministro Marco Aurélio Mello, em meio a ironias, referiu-se várias vezes à palavra "leigos". Seriam "leigos"todos os que não alcançassem a profundidade de seu arrazoado contra os tais "embargos infringentes". Leigo é uma palavra de origem grega, laikós, ou seja, a pessoa que não tendo conhecimento de determinado assunto religioso, mesmo assim, participaria da religião. Durante o Concílio Vaticano II, os leigos ascenderam, oficialmente, à condição de parte crítica do corpo da Igreja Católica: a eles caberia a missão que se complementaria com os ministro, vale dizer, os sacerdotes. A eles seria também reservada a possibilidade de inquirirem de seus ministros, a boa conduta na construção da Igreja. Mutatis mutandi - para não dizer "data vênia", ao ilustre homem da lei - a pergunta sobre o quantum que os quadrilheiros roubaram, parece a chave fundamental para explicar a sua condenação.
Será que aos leigos será dado conhecer esse detalhe, para eles, mais que relevantes - ainda que ociosos para os ministros? Aguardam-se respostas. Até porque será difícil aos leigos, seus filhos e netos entenderem que no Brasil condenaram-se pessoas que roubaram não se sabe nem como, nem quanto.
(*) Enio Squeff é artista plástico e jornalista. Artigo extraído do Portal Carta Maior